O tempo prá descruzar as pernas

Em 19 de abril de 1999, deu-me na telha de escrever uma letra para ser cantada em estilo sertanejo. Estando meio inspirado naquele dia, acabei escrevendo duas letras. Uma delas tem o título "Minha Vida Com Ela" e a outra, "CRUZA DESCRUZA", que está aí no canto esquerdo.

Ao escrevê-las, falei com meu amigo Bortolazzo, que é hoje Diretor Social do Clube 22. Ele é ligado nessas coisas de música e eu lhe pedi para que me desse alguma dica. Na hora, ele me indicou que pedisse um palpite ao Renê, da antiga dupla Renê e Ronaldo.

O próprio Bortolazzo acabou trazendo o Renê ao meu escritório, onde ele tocou seu violão, cantou-nos alguns de seus sucessos e depois levou as duas letras minhas, prometendo que iria tentar encaixá-las.

O tempo correu e eu nunca mais vi o Renê. Acho que todos os compositores que leram minhas letras acharam que elas eram belas porcarias e tudo não passou de uma aventura do passado…

Neste início de dezembro, porém, resolvi desenterrar a letra do "CRUZA DESCRUZA" para mostrá-la aqui. Pode acontecer de alguém gostar e conhecer algum compositor que queira aproveitá-la. Quem sabe?

Agora tenho que explicar porque, após três anos e meio, decidi publicar o "Cruza – Descruza". Tudo começou nesta semana, ao passar por minha casa meu antigo amigo João Alberto, que justamente se tornou meu amigo porque no passado fiz algumas operações heróicas nele, após um gravíssimo acidente.

Todo mês de dezembro, há 32 anos, ele bate à minha porta para trazer-me um cartão e um presente. Atualmente ele está diabético e, após ter-me presenteado, posicionou-se para mostrar-me um sapato especial que está usando porque está acometido de uma úlcera na sola do pé, a qual os Médicos antigos a denominavam "mal perfurante plantar".

Naquela exata hora em que lhe examinava o sapato especial, chegou para cumprimentar-me um outro amigo, o Carlos Alberto Vieira, que acabou de passar para o 5º ano de Direito. Como aquela frase "mal perfurante plantar" ainda estava ressoando no ar, fiz uma pose adequada ao momento para explicar aos dois a chave dessa doença.

O lance é o seguinte: o corpo humano tem uma porção de funções automáticas, zelando pela nossa vida e pela nossa saúde. Não é somente o coração, os pulmões, o estômago e as glândulas que funcionam sozinhos. Sem a gente precisar pensar, nosso corpo costuma executar alguns atos para manter a circulação do sangue nas várias partes.

Por exemplo, quando está fazendo um clima muito frio, todas as pessoas que estão na rua esfregam as mãos, uma na outra, de forma automática. Esse gesto faz o sangue chegar melhor até às pontas dos dedos.

Vamos para os pés. Sugiro aos leitores que estiverem de folga num dia de semana, que passem em frente da lanchonete Ca-Suco, em torno das 10 horas da manhã, quando estão ali batendo papo uma dezena ou mais de simpáticos cavalheiros, meus amigos por sinal. Observem de longe e marquem no relógio. Todos eles estão conversando com o peso do corpo em um dos pés. A cada 3 minutos em média, todos mudam o peso do corpo para o outro pé, como se fosse um passo de dança. Este é um reflexo para evitar que a sola do pé, com o peso do corpo e de encontro ao chão, fique sem sangue. A cada 3 minutos mais ou menos, todos eles soltam o corpo no outro pé e seguem nessa seqüência até perto do meio-dia.

Quando a pessoa é diabética, costuma acontecer da sola do pé ficar meio amortecida e, em virtude disto, vai perdendo o reflexo automático de mudar o peso do corpo para o outro pé. Ao forçarem o peso num dos pés, forma-se uma espécie de calo por baixo, o qual começa a rachar com o tempo e forma uma úlcera estreita e funda que custa a sarar. Essa ferida é que os médicos antigos costumavam chamar "mal perfurante plantar". (Há outras doenças que não quero falar agora, nas quais também ocorre essa lesão.)

Quando as mulheres ficam sentadas e cruzam as pernas, uma fica apertando a outra dificultando a circulação, motivo pelo qual elas descruzam e cruzam automaticamente, do mesmo jeito que ocorre com os pés.

Quando eu estava com 11 anos e entrei no ginásio, ganhei meu primeiro relógio de pulso. Naquele tempo, as moças não usavam calças compridas, mas apenas vestidos ou saias. Encantado com meu relógio, comecei a medir todos os lances de tempo que aconteciam ao meu redor. Nesse esquema, medi e fui anotando de quantos em quantos minutos as moças descruzavam as pernas. Fiz meus cálculos e achei a média de 4 minutos e 22 segundos que as moças, naquela época, levavam para fazer a troca das pernas. Eu fiquei tão prático que já sabia para qual das moças eu deveria olhar, nas festinhas da igreja ou nas reuniões, para tentar ver as calcinhas delas na ora de descruzar uma perna e cruzar a outra.

Taí! Foi por isto que, falando no pé diabético do João, lembrei-me da letra que fiz, com o título "CRUZA DESCRUZA". Quem sabe arranjarei um compositor prá ela desta vez. Em minha opinião, a batida deverá ser sertaneja.

Em tempo: quando escrevi essa letra, a inspiração que tive não foi atual; é claro que me baseei na inspiração que tive aos 11 anos, quando ganhei meu primeiro relógio de pulso…

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