Andréa Mente (*)
Com a criação da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e a regulamentação do setor privado de saúde pela Lei 9656/98, as operadoras foram obrigadas a oferecer aos seus usuários coberturas mínimas de atendimento e passaram a especificar seus produtos atuarialmente.
Isso trouxe benefícios àqueles que já estavam seriamente preparados para o mercado, fazendo projeções de longo prazo e armazenando dados estatísticos para fins gerenciais e criou uma tendência de exclusão de mercado, a médio prazo, para as operadoras menos preparadas, de capacidade limitada na prestação de serviços de assistência médica.
Os planos de saúde criados após a Lei 9656/98 já devem conter em seus contratos as exigências mínimas determinadas pela Lei e os planos anteriores não podem mais ser comercializados, sendo considerados planos em extinção. A ANS tem divulgado, anualmente, os índices máximos de reajuste que podem ser aplicados aos planos novos (criados após a Lei 9656/98), baseados nas variações inflacionárias do período. Uma prática sem grandes contestações, já que esses planos, na formação inicial de preços, tiveram consistentes bases atuariais de cálculos. A polêmica fica reservada para os planos antigos. A indicação de um reajuste padrão, apurado pela ANS nas mesmas bases, além de não ser coerente frente às características de envelhecimento constante (melhor explicada abaixo), foi considerada inaplicável em recente decisão provisória da maior esfera do Judiciário. Com isso, as operadoras de planos de saúde aplicaram índices diferenciados de reajustes, apurados segundo letras contratuais ou por decisões próprias vinculadas às variações respectivas de custos.
No entanto, conforme amplamente divulgado pela imprensa, algumas dessas operadoras aplicaram reajustes que foram considerados abusivos pelos órgãos de defesa do consumidor, trazendo a polêmica aos olhos da sociedade: como reajustar planos antigos?
Ora, devemos analisar alguns pontos cruciais para responder essa pergunta. Primeiro, como já foi dito, os planos anteriores à Lei 9656/98 não podem mais ser comercializados, ou seja, não existe a renovação da massa de usuários. Em um plano ativo, a movimentação de entradas e saídas de usuários, quando equilibrada, é responsável pela estabilidade entre jovens e idosos, extremamente importante porque os índices de utilização de serviços por pessoas com idade mais elevada é superior ao índice de utilização dos jovens.
Fica fácil perceber, então, que estes planos anteriores à Lei constituem uma verdadeira bomba relógio para as operadoras, para a ANS e, enfim, para os próprios usuários, já que, sem novos entrandos, são planos sob envelhecimento acelerado e constante, com índices de utilização cada vez maiores.
Com uma concentração cada vez maior de usuários idosos, o plano passa a encarecer, ano após ano. Daí a necessidade de reajustes não baseados na economia ou no setor em geral, e sim baseados na característica de cada plano.
Originalmente, a Lei nº 9656/98 previa a extinção forçada dos planos antigos, com migração obrigatória dos usuários para os planos regulamentados, o que eliminaria a polêmica em curto prazo. Mas os fundamentos legais afastaram essa possibilidade. Tentou, a ANS, forçar o mecanismo da adaptação contratual e da migração espontânea, com os mesmos objetivos, mas o êxito dessas ações não tem sido suficiente. Embora, ao longo destes cinco anos, desde sua criação, a ANS não tenha sido permeável à idéia de analisar e definir reajustes caso a caso, parece que essa prática, agora, tende a consolidar-se. Mas a polêmica persistirá, pois os reajustes, mesmo sendo definidos a cada caso e pelo órgão fiscalizador, jamais estarão ao gosto de todas as partes envolvidas. Mas o importante será definir as bases e formas de suas apurações, sob consenso técnico, de modo a tornar transparente o processo ao longo do tempo e assim permitir, a cada usuário, a melhor decisão quanto a permanecer amarrado à bomba relógio ou transferir-se para outro plano.
(*) É formada em Ciências Atuariais pela PUC-SP, com especialização na Universidade Castilla La Mancha (Espanha), e é sócia da Assistants, empresa de consultoria com especialização nas áreas de saúde suplementar e de previdência complementar.