Como os leitores já sabem, fui Médico da Associação dos Fornecedores de Cana durante 37 anos. Em 1964, trouxeram-me um paciente adulto alto, chamado Alexandre, que morava na Fazenda Americana. Acabei de conferir a data exata na ficha dele: 13-8-1964. Somente não posso escrever aqui o nome todo dele. Ele entrou apressado e pálido, com a mão esquerda enrolada na fralda da própria camisa, que se apresentava toda ensangüentada.
Enquanto foi desenrolando a camisa, ele me foi logo dizendo que havia acertado uma facãozada no polegar esquerdo, do qual cortou fora uma boa parte da pele. O pano da camisa estava grudado no dedo. Joguei bastante soro fisiológico, mandei aplicar-lhe um analgésico mais vacina contra tétano e lhe fiz um curativo compressivo provisório para estancar o sangramento. Nessa hora, ele tirou do bolso o lenço dele e me disse: "Doutor Guaracy, a pele do meu dedo tá aqui no lenço, pro senhor grudá ela de novo…"
Ao abrir o lenço dele, fui levado a lembrar-me, na mesma hora, do quase xará dele, Alexander Fleming. Daqui a pouco explico o por quê.
O Doutor Alexander Fleming foi quem descobriu a PENICILINA, antibiótico importante até hoje no tratamento de infecções, do que resultou a salvação de bilhões de vidas humanas no mundo inteiro.
Conheci Fleming pessoalmente em 1955, no Rio de Janeiro. Ele estava com 74 anos e fez, no salão nobre de minha Faculdade de Medicina, uma conferência maravilhosa sobre sua descoberta, de que lhe valeu ter sido agraciado com o Prêmio Nobel de Medicina em 1945. Foi prá mim uma oportunidade única conhecê-lo porque, naquele mesmo ano de 1955, logo após sua conferência, regressando a Londres, ele faleceu de infarto.
Ao contar-nos a história da Penicilina, Fleming nos falou sobre um antibiótico natural do corpo humano, muito importante e miraculoso, batizado por ele com o nome de LISOZIMA, o qual existe nas lágrimas, no muco do nariz e na saliva, defendendo a gente de um grande número de micróbios.
Em nosso instinto, nós respeitamos as leis da natureza. Ao sofrer pequenos ferimentos, a gente aplica a lisozima da saliva na mesma hora…
Vamos ver o que diz a Bíblia sobre a saliva: No Evangelho de São Marcos, capítulos 7 e 8, está escrito que Jesus, com sua própria saliva, curou um surdo mudo e um cego. Mais adiante, no Evangelho de São João 9:6, está escrito que Jesus cuspiu na terra, fez um lodo e untou, com esse "remédio" natural, os olhos de um cego, a quem mandou lavar-se no Lago de Siloé e a visão dele foi recuperada.
Bem, voltemos ao paciente Alexandre, que cortou fora a pele do próprio polegar com o facão. Ele abriu o lenço e me disse: "Doutor Guaracy, a pele do meu dedo tá aqui; embruiei ela com bastante cuspe prá sarvá ela…" Minha parte foi juntar minha técnica mais a fé do Alexandre, mais o poder da lisozima. Lavei bem aquela cusparada e enxertei a pele de volta ao polegar esquerdo dele. O enxerto pegou totalmente, num sucesso que poderá ser confirmado pelos proprietários da referida fazenda!
Atendi e operei muitíssimos casos de ferimentos na mão. Eis agora o caso interessante, que está no primeiro desenho da esquerda, atendido por mim em dezembro de 1971, um dia depois do Natal. Sendo um domingo, o paciente estava jogando um futebolzinho, no gol. Ao tentar encaixar uma bola, ele enroscou o anel de chapinha num prego que havia na trave, destinado a fixar a rede. O anel lhe arrancou a pele toda do anular direito dele, como se estivesse arrancando uma luva. Para evitar de cortar fora aquele dedo, o ortopedista da cidade dele, Jaboticabal, me encaminhou o paciente.
Atendi o caso no mesmo dia. Fiz um corte no peito dele e lhe enfiei o anular por baixo da pele, como mostra a figura. Nessa técnica, ele precisava ficar 15 dias com o dedo ali, até pegar circulação. A partir dos 15 dias, eu continuei a cirurgia, embrulhando o anular dele com aquela pele, cobrindo a carne viva do peito com uma pele fina descascada da coxa dele.
No ato, eu percebi que o paciente era meio nervosinho, meio rebelde, motivo pelo qual, para garantir o resultado, decidi mantê-lo internado na antiga meia-pensão da Santa Casa. Ele ficou puto da vida por causa da internação e começou a criar caso com os enfermeiros, com as freiras, até comigo, recusando os remédios e xingando muito na hora dos curativos.
Exatamente no domingo seguinte, veio um paciente de uma fazenda perto de Santa Lúcia que sofreu um acidente terrível: ao cortar cana numa picadeira, aconteceu da correia lhe enrolar o pano da manga da camisa dele. Para livrar-se, ele deu um tranco com o corpo e a parte de baixo da correia lhe enroscou na calça, que era de pano fino, arrancando toda a pele do pênis e do saco dele. Ao examiná-lo, verifiquei que o pênis dele parecia uma banana descascada, totalmente sem pele e a pele do saco foi totalmente estraçalhada, ficando os dois testículos dele pendurados, sem nenhuma proteção.
A data desse acidente foi 2 de janeiro e meu auxiliar habitual, Dr. Gabriel Reis, estava viajando, sendo aniversário dele. Fiz o atendimento cirúrgico de urgência auxiliado pela Enfermeira Euridéa, na Santa Casa. Aí ao lado, fiz um desenho da técnica cirúrgica que usei no caso. Fiz um túnel debaixo da pele da virilha esquerda, sob o qual enfiei o pênis do paciente, saindo por um furo lateral por onde ele podia urinar. Quanto aos dois testículos, introduzi um em cada coxa, preservando as ligações vasculares e os nervos. Claro que o caso implicou em mais cirurgias para restabelecer tudo. Tenho fotos fantásticas da seqüência do caso.
No dia seguinte, ao fazer o curativo desse paciente, tive uma idéia luminosa: chamei o paciente revoltado, do dedo encapado, puxei uma cadeira perto da cama do outro para ele assistir o estrago sofrido, muito pior do que o dele. Foi uma água na fervura. Quando o cara de Jaboticabal viu a operação do pipi do outro, ele falou prá mim: "Doutor, se o senhor quiser, pode enfiar meus dez dedos no meu peito que não tô nem aí…"
Em tempo: A esposa do paciente do pênis encapado me trouxe um leitão assado de presente pelo sucesso da operação. Da esposa do paciente do dedo encapado, não ganhei nada até hoje… Tudo uma questão de anatomia…