Vitor Di Francisco Filho (*)
As relações contratuais sofrerão profundas modificações a partir de 11 de janeiro de 2003, quando entra em vigor o novo Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002). Entre outras, inovação relevante diz respeito às taxas de juros, que afeta contratos civis e comerciais.
Exceto para instituições financeiras, a taxa de juros é atualmente sujeita à “Lei de Usura” (Decreto nº 22.626, de 7 de abril de 1933). Essa norma proíbe a estipulação de juros superiores ao dobro dos juros legais, de 6% ao ano (art. 1.062 do atual Código Civil), entendendo-se como juros legais aqueles devidos em razão de mora ou por força de lei, quando não há estipulação contratual diversa. O limite máximo de juros contratuais, portanto, é hoje de 12% ao ano.
Com a entrada em vigor do novo Código Civil (art. 406), a taxa de juros será referenciada na taxa SELIC, que corresponde a remuneração dos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional e é utilizada em casos de mora de obrigações tributárias perante a Fazenda Nacional.
Uma vez que os juros máximos permitidos pela “Lei de Usura” são o dobro da taxa legal, será possível, a partir de 11 de janeiro de 2003, a estipulação contratual de juros com percentual máximo igual ao dobro da taxa SELIC.
Uma das exceções reguladas especificamente no novo Código Civil é o contrato de mútuo com fins econômicos. Neste, a taxa de juros não pode ultrapassar a taxa SELIC (art. 591 do novo Código Civil).
Inovação
A respeito, a primeira questão que se coloca é relativa aos contratos que se prolongam no tempo. A Taxa SELIC é flutuante, variando periodicamente. Caso essa taxa decline, juros pré-fixados, inicialmente estipulados abaixo da SELIC podem, ao longo do contrato, ultrapassá-la.
Nesse caso, os juros estipulados são válidos? A resposta é positiva. O novo Código Civil prevê que a validade do negócio jurídico requer agente capaz, objeto lícito e possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não proibida em lei. Desse modo, como no ato da celebração do contrato foram preenchidos esses requisitos, pois a taxa de juros estipulada estava de acordo com os termos da lei, a posterior queda da Taxa SELIC não causa a invalidade da taxa de juros pré-fixada.
Essa inovação não afetará os contratos bancários regulados pela lei do Sistema Financeiro Nacional (Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964), e também não afetará a “Lei de Usura”, conforme já decidido pelo Supremo Tribunal Federal (Súmula nº 596 do STF).
Negociação
A segunda questão em debate, é no sentido se a Taxa SELIC, prevista no art. 406, do Novo Código Civil, mesmo sem estar em vigor (a partir de 11/01/03), estaria fulminada pela inconstitucionalidade?
A resposta é positiva, senão vejamos:
A Taxa SELIC é resultado das negociações dos títulos públicos e da variação dos seus valores de mercado, que são publicados diariamente. É uma “taxa de referência” calculada e divulgada unilateralmente pelo BACEN, que se utiliza, para tanto, da variação do custo do dinheiro e da flutuação desse custo no mercado financeiro. Reflete, pois, um autêntico pagamento pelo uso de dinheiro alheio, ou seja, um meio de remunerar o capital, característica que lhe confere, à evidência, natureza remuneratória.
O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, quando do julgamento do AI nº 160.865.5/3, a respeito do tema, decidiu: “A indigitada Taxa SELIC, criada pelo Banco Central, à orla do artigo 164 da Constituição Federal, regendo os altos e baixos da economia, não poderia sobrepor-se aos ditames constitucionais que prevêem leis próprias, com as limitações do poder de tributar”.
Por derradeiro, o STJ- Superior Tribunal de Justiça já colocou uma pá de cal no assunto, quando do julgamento do REsp nº 291.257-SC, realizado em 23/04/02.
Ficou ressaltado, entre outros argumentos, que a Taxa SELIC para fins tributários é inconstitucional e ilegal. Apenas a utilização da Taxa SELIC como remuneração de títulos é perfeitamente legal, pois cabe ao BACEN e ao Tesouro Nacional ditar as regras sobre os títulos públicos e sua remuneração. Outrossim, a Taxa SELIC que ora tem conotação de juros moratórios, ora remuneratórios com finalidade de neutralizar os efeitos da inflação, constitui-se em correção monetária por vias oblíquas.
Mas, em matéria tributária, tanto a correção monetária como os juros devem ser estipulados por lei. Além dos mais, a Taxa SELIC cria a anômala figura do tributo rentável. O art. 13 da Lei nº 9.065/95, que alterou o inciso I, do art. 84, da Lei nº 8.981/95, determinou, mas não instituiu, a Taxa SELIC, pois deixou de defini-la e não traçou parâmetros para seu cálculo, uma vez que ausentes os pressupostos para validade e eficácia de lei tributária, consoante as determinações do CTN- Código Tributário Nacional.
(*) Advogado e colaborador do JA