Estava largada sobre o sofá. O barulho irritante do interfone, mais uma vez, chegava aos seus ouvidos. Que coisa insuportável! Certamente alguma carta registrada. Vou ter que me vestir e descer até a portaria para assinar o protocolo.
– Flores para a senhora.
– Flores? Para mim?
– Sim.
– Deve ser engano.
– Não é engano. Aqui ta escrito o nome da senhora e do apartamento.
Desceu imaginando quem, ou porque lhe mandaram flores. Certamente era engano. Não seria a primeira vez que tinha que descer até a portaria para descobrir que era engano.
Conferiu o cartão. O nome dela, o apartamento dela. As flores eram para ela mesmo. Não tinha remetente. Subiu com aquela incógnita nas mãos. Abriu o envelope. Um cartão: estou aqui quando você precisar e perdoe-me se, algum dia, você precisou e eu não estive. As lágrimas brotaram magicamente nos olhos dela. Uma amiga, que ela nem imaginava que fosse tão amiga, estava lhe mandando flores, e pedindo perdão. Rosas! Rosas vermelhas, frescas, lindas. Ficou olhando para elas, sem saber como agradecer. Decidiu enviar um e-mail.
São Paulo, setembro de 2005.
Querida amiga, as flores que você mandou deram colorido na minha vida tão cinza. Mais que isso, trouxe-me uma esperança. Olhando para elas lembrei de um filme: “O náufrago”, (com Tom Hanks) acho que você já assistiu. Esse filme salvou a minha vida há algum tempo atrás. Na época eu estava morta, totalmente entregue à tristeza e à solidão. Mas, depois de ver o filme, decidi que queria viver. Talvez muitas pessoas não tenham dado importância a essa frase, mas para mim, essa frase me fez renascer:
“Eu tenho que continuar respirando, porque amanhã o sol nascerá. E quem sabe o que a maré poderá me trazer?”
Esse filme não reflete apenas a luta do ser humano pela sobrevivência Não é apenas uma prova do quanto somos fortes para sublimar as dores e as fatalidades. Lembro-me do desespero dele por causa de uma dor de dente. Ele odiava dentistas! Mas como ele desejou um dentista naquela hora. E a agonia maior, quando arrancou o dente a sangue frio, com as próprias mãos. Aquele náufrago me fez acreditar que, mesmo diante de fatos aparentemente consumados, a vida pode nos surpreender e nos trazer a redenção.
Cada dia, novas ondas se formam na rebentação. A água que chega, pode ter vindo de qualquer lugar do planeta! E foi pelo capricho e imprevisibilidade das marés que chegou para aquele náufrago a “salvação”. Numa metáfora comovente, ele consegue voltar à vida civilizada graças às asas (de Anjos?) trazidas pelas ondas do mar. Hoje, porém, eu não lembrava mais do filme. Entretanto a maré trouxe flores para a minha praia! Rosas vermelhas, semeadas de orvalho. Lágrimas de rosas! E com elas, veio também o sopro da esperança.
Ficarei com as flores. Mas, rasgarei o cartão, porque não tenho nada a lhe perdoar. Estou mergulhada num mar de problemas, é verdade. Mas você não tem nenhuma culpa. São apenas as inexoráveis safras, do que semeamos. E como é amargo colher os frutos de nossas irresponsabilidades. Como dói, ver o nosso jardim morrendo porque, relapsos que fomos, nós o abandonamos às intempéries.
O tempo é cruel e implacável. Pontualmente ele nos manda a conta e os resultados de CADA atitude nossa. Cada gesto, cada palavra, cada pensamento! É impressionante! Por mais que nos avisem, só acreditamos quando recebemos, pelas mãos infalíveis do tempo, o resultado de cada escolha que fizemos. E então, ficamos a imaginar: Mas e “SE” eu tivesse feito isso? E “SE” eu tivesse escolhido outro caminho?
Nem percebemos, mas este “SE” também faz parte da conta que temos que pagar. É o remorso, o arrependimento… O desejo de voltar no tempo, e fazer tudo diferente.
Hoje eu chorei, e o sal das minhas lágrimas lembrou-me que estou viva! Chorei, não apenas porque assumi minhas fraquezas, mas também por vergonha. Não estou conseguindo carregar meu fardo. Acho que assumi responsabilidades demais. Talvez na ânsia de evoluir rapidamente, ou por vaidade mesmo… A verdade é que, não estou conseguindo cumprir as minhas tarefas. Estou desistindo de algumas. Às vezes me sinto como uma maionese que desandou, ou como um leite coalhado. Parece que tudo que eu toco, estraga. Então, prefiro ficar sozinha, e evitar causar aborrecimentos para mais pessoas. Já bastam os que eu causo a mim mesma e aos que estão próximos a mim por falta de opção.
Desculpe-me por responder seu gesto tão carinhoso por e-mail. Mas não tenho coragem de fazer outra coisa. Sinto-me tão fracassada, tão envergonhada que não teria coragem nem mesmo de falar com você por telefone. Perdoe-me, por não ser a pessoa que você imaginava. Sei que é difícil, pois eu mesma não consigo ME perdoar de um monte de coisas. Vou guardar essas rosas, para sempre no meu coração! E muito obrigada por me lembrar que amanhã o sol nascerá de novo. Então, assim como hoje chegaram rosas na minha praia, amanhã podem chegar as tão esperadas ASAS! “
Estava pronto o e-mail. Agora era só clicar e enviar. Parecia tão fácil, clicar e enviar. Voltou a observar as rosas. Algumas gotas de orvalho escorriam pelas pétalas aveludadas. Apagou tudo e pegou o telefone.
– Amiga, estou precisando de você. (Vera Morais)