Sérgio de Oliveira Médici (*)
O envio de projeto com o objetivo de instituir a progressividade na tributação territorial e predial urbana, suscitou uma salutar discussão em torno do assunto, envolvendo todos os setores da população.
Era esperada uma reação dos setores conservadores, fato que surgiu de forma tímida e um tanto velada. Mas provocou, também, manifestações descabidas e pouco esclarecedoras por parte de alguns articulistas, que demonstraram desconhecimento das recentes modificações no texto constitucional.
Assim, para se falar em IPTU progressivo é preciso, primeiramente, tomar conhecimento do assunto por inteiro. Vamos tentar, em poucas linhas, resumir a questão, a começar pela forma como atualmente é calculado tal imposto.
De acordo com os artigos 78 e 104 do Código Tributário do Município, as alíquotas do IPTU são iguais para todos os imóveis (cinco por cento para terrenos e um por cento para edificações). Com isso, o valor final do imposto é calculado em função do valor venal do bem – obtido por dados que recebem o nome de planta genérica.
Por meio da atual sistemática, que adota o critério da proporcionalidade, sobre os imóveis de valor venal mais elevado recai um tributo maior do que os incidentes sobre propriedades urbanas de valor inferior. Mas a alíquota é igual.
A progressividade, sem alterar a base de cálculo (valor venal), estabelece alíquotas diferentes, de modo que os proprietários de imóveis de maior valor passam a pagar imposto não só proporcionalmente, mas também progressivamente.
Pode-se estabelecer a progressividade em função do tempo (para imóveis não utilizados por um longo período), pela não observância da função social da propriedade e pelo valor do imóvel. Os dois primeiros só podem ser estabelecidos após a elaboração, no Município, do chamado Plano Diretor. Já a progressividade em relação ao valor do imóvel, admitido expressamente na atual Constituição Federal após a Emenda n. 29, de setembro do ano passado, independe de qualquer outra iniciativa.
O projeto da atual Administração, já aprovado em primeiro turno pela Câmara, fixa alíquotas variáveis para terrenos (de 6,4 a 10 por cento) e para as edificações (de 1,5 a 2 por cento). Ao mesmo tempo, o projeto extingue cinco taxas de serviço público, que eram arrecadadas juntamente com o IPTU (taxas de remoção de lixo, de iluminação pública, de conservação de pavimentação, de limpeza pública e de prevenção contra incêndio).
Como consta da justificativa do projeto, trata-se de iniciativa que se ajusta plenamente ao preceito constitucional de tratar desigualmente os desiguais, em cumprimento ao princípio da isonomia tributária (art. 150, II, da Constituição Federal). Este princípio, como se sabe, veda a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. O contribuinte que possui uma mansão edificada em ampla área de bairro valorizado da cidade, certamente não estará em situação equivalente àquele que mora em pequena casa construída num terreno de setor periférico do Município.
Em síntese, projeto propõe que sobre imóvel de valor venal mais elevado haja incidência de maior imposto do que aquele que recai sobre propriedade de menor cotação, não apenas proporcionalmente, mas progressivamente, com alíquotas distintas. Conseqüentemente, as pessoas que tenham maior capacidade contributiva pagarão maiores impostos, de acordo com princípio consagrado na Constituição Federal:
“Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.” (art. 145, º 1.º). Preceito idêntico encontra-se expresso no art. 205, º 1.º, da Lei Orgânica do Município de Araraquara.
O IPTU progressivo, portanto, busca assegurar maior justiça tributária, adequando os valores dos impostos com a realidade econômica dos contribuintes, ao utilizar como critério de cálculo o valor venal dos imóveis. Com isso, procura-se tratar igualmente os que se encontram em situação econômica equivalente e desigualmente os que nela não estejam.
Deve-se atentar que o projeto não propõe a progressividade relacionada com a função social da propriedade imobiliária, ainda dependente de lei instituindo o Plano Diretor da Cidade (art. 182, º 4.º, inciso II da Constituição Federal). A proposta enviada à Câmara Municipal, fundada no valor venal do imóvel, ajusta-se à Constituição, à Lei Orgânica do Município e encontra respaldo na doutrina por razão bastante óbvia: quando o Município recebe mais tributos de quem tem maior capacidade contributiva, pode mitigar o sacrifício daqueles que sofrem muito para arcar com o imposto.
A questão ficou bem definida em nível constitucional com a aprovação da Emenda n.º 29, de 13 de setembro de 2000, que deu ao º 1.º do art. 156 da Constituição Federal , relativo ao imposto sobre propriedade predial e territorial urbana, a seguinte redação:
“Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, º 4.º, II, o imposto previsto no inciso I poderá:
I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e
II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.”
A implantação da progressividade relativa ao valor do imóvel, além de maior justiça tributária, evita a queda na arrecadação do Município decorrente da impossibilidade de pagamento do imposto por parte da população economicamente menos favorecida.
Estudos realizados pela Secretaria Municipal de Finanças concluíram que a sistemática proposta no projeto evita a queda na arrecadação, apesar da manutenção da planta genérica de valores venais estabelecida em 1997 e da exclusão das referidas taxas de serviço público.
O IPTU progressivo, enfim, contribui para a efetivação dos objetivos republicanos, consagrados no art. 3.º da Carta Magna: construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantia do desenvolvimento; erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo as desigualdades sociais; promoção do bem comum, sem qualquer espécie de preconceito. A sistemática não contém nenhum mistério; é constitucional e acima de tudo, justa. Eventuais distorções poderão ser corrigidas, oportunamente, com simples alteração das alíquotas.
(*) É o prefeito em exercício.