Texto: Antonio Delfim Netto
A cobertura dos jogos da Copa do Mundo tem oferecido a oportunidade de acompanhar a movimentação de turistas de todo o mundo nas imediações dos estádios: você pode estar apenas se distraindo com a festa, mas de repente é atraído para a relevância de uma discussão amigável entre o torcedor argentino e o moço do bar, cada um tentando convencer o outro sobre o preço "justo" do "combo" um hambúrguer + refri"… Não chegamos a ver o desfecho: a filmagem foi cortada porque os dois pareciam longe de um acordo: os 15 reais pedidos pelo garçom gaúcho não eram o "preço justo", na conta do consumidor portenho. que se dispunha a gastar apenas uns poucos pesos…convertidos para reais.
O episódio me trouxe à lembrança o debate televisivo que assisti uns dez dias antes da abertura dos jogos da Copa do Mundo, entre um competente economista e um burocrata inteligente: eles discutiam a formação dos preços de um bem que tanto podia ser uma diária de hotel, um sanduíche ou uma refeição completa numa situação de mercado em que a demanda explode, como se esperava que ocorresse durante a Copa. O economista defendeu, obviamente, que os preços seriam formados pelo equilíbrio entre a oferta (a quantidade disponível) e a procura (intensidade do desejo e renda) em cada mercado (habitação, por exemplo). O burocrata entendia que, em momentos "especiais", era obrigação do governo fixar o "preço justo", seja para os aluguéis seja para as refeições.
Ao longo do programa ficou evidente que não poderia emergir qualquer compromisso entre os dois debatedores, porque argumentavam em universos diferentes: o economista tentando apelar para conceitos relativamente objetivos e o burocrata defendendo um conceito fluído e normativo. A ideia do tabelamento pelo "preço justo" desenvolvida por Santo Thomas de Aquino no século XIII fazia algum sentido na Idade Média, quando a ausência de mercados organizados recomendava restrições éticas que proporcionassem algum controle sobre os preços.
Existem basicamente duas formas de "distribuir" a quantidade finita de um bem (digamos, "alojamentos"), entre indivíduos cujo desejo somado de tê-los a excede: pela força ou pelo mercado. Nos dois casos alguém ficará insatisfeito, pela simples e boa razão que a oferta física de metros quadrados de habitação é inferior à demanda física do mesmo bem. Como se resolve quem será o indivíduo atendido?
Podemos discutir filosoficamente os problemas éticos envolvidos nas duas soluções, mas é preciso reconhecer que é impossível conciliar a demanda física de um bem com uma oferta física inferior a ela sem algum mecanismo de coordenação que "escolha" quem vai ser atendido.
O tabelamento, apoiado na teoria do "preço justo", para funcionar precisa do poder de polícia. O efeito mais provável é que a oferta se reduza (a não ser que a polícia a constranja fisicamente) o que agrava o problema. E como se escolhe o "sortudo"? Ou na base do compadrio ou do suborno! A solução do mercado é superior porque: 1º) estimula o aumento da oferta e a escolha do "sortudo" é feita automaticamente pelo nível de renda que lhe permite pagar o preço do mercado e, 2º) dispensa a "força" e o "suborno".