Rosa Godoy (*)
A águia é um dos pássaros com maior tempo de existência, podendo alcançar ou mesmo ultrapassar os 70 anos. No entanto, para atingir a maturidade, mais ou menos na metade da vida passa por um doloroso processo de transformação. Aos 40 anos, suas unhas estão compridas e flexíveis, dificultando a retenção das presas, com conseqüências inegavelmente desastrosas para a alimentação. Nisso, contribui negativamente o bico que, de alongado e pontiagudo, fica curvado. Voar também torna-se um empreendimento difícil pois as penas engrossam, aumentando o peso das asas.
Carregando tais características, tem duas alternativas: morrer ou enfrentar o dito lento e doloroso processo de transformação. Decidida a mudar, ela voa para o alto de uma montanha e recolhe-se a um ninho próximo a um paredão de pedras. Começa então a bater o bico na parede até arrancá-lo e dar lugar a um novo bico. Com ele, desfaz-se das unhas e uma vez nascidas as novas, passa a tirar as velhas penas e a reemplumar-se. Depois de quase cinco meses de retiro, reinagura a vida, voltando a voar e a caçar por pelo menos mais 30 anos.
Talvez esse seja o melhor exemplo do mundo animal ao humano, de substituição de velhas e ultrapassadas características por outras novas, no nosso caso, através de atitudes e comportamentos revisitados. Só que para isso, como no caso das águias, é preciso admitir que já não se pode continuar como dantes e que é necessário transformar-se, destruindo o bico do ressentimento e deixando nascer o da paciência e da tolerância, arrancando as unhas do medo e fazendo emergir as da coragem, substituindo as penas dos atos impensados por outros mais construtivos, preparando-nos para alçar vôo para uma nova vida. Enfim, aprendendo com o que foi, mas transformando-o.
Se a juventude trás em seu bojo a pretensão de mudar o mundo a qualquer preço, a maturidade impregna tal pretensão com tolerância e sabedoria para aprender com os erros, revelando-nos a nós próprios e possibilitando-nos descobrir nossas múltiplas faces. Segundo Saramago, “saberíamos muito mais das complexidades da vida se nos aplicássemos a estudar com afinco as suas contradições em vez de perdermos tempo com as identidades e as coerências, que essas têm obrigação de explicar-se por si mesmas”. Nesse sentido, “nem a juventude sabe o que pode, nem a velhice pode o que sabe.”
Para saber e poder, há que fazer como a águia, transformar-se…
(*) É Enfermeira e colaboradora do JA que entra no Ano 10.