Em uma tarde qualquer da minha vida, no esplendor de meus treze anos, como funcionário do querido (até hoje) Escritório São Paulo de Contabilidade, fui a mando do Lourival Leticio fazer uma entrega de documentos à Vidraçaria Cometa do Lydio Gimenez. Estacionei minha bicicleta, deixei o volume e ao retornar avistei na loja da frente uma fotografia inesquecível. Era um poster enorme de um jovem cabeludo, pouco mais velho que eu, vestido num macacão de couro preto, com um capacete debaixo do braço e ao lado de uma motocicleta Zundapp 100 cc carenada com um cartaz, nos seguintes dizeres: Campeão Brasileiro – Etapa de Curitiba. O texto era curto, mas, a mensagem tão profunda que imaculei aquele momento. Me imaginava, também, fotografado todo de preto, de botas e macacão de couro, cabelos longos e o reconhecimento da comunidade por aquele ato heróico. Adorava corrida de motocicletas e sonhava beber do doce sabor da vitória. Acho que ali nasceu minha empatia por aquele que viria a ser meu ídolo maior no motociclismo Araraquarense. Já havia assistido uma corrida sua na Alameda Paulista, um brilhante segundo lugar, mas, nada era igual àquela imagem lúdica. Nada era tão encantador quanto à plástica daquele momento.
A primeira vez
Passaram uns dois anos, com todo sacrifício do mundo para juntar a entrada, comprei em dez parcelas do Afonso Lombardi Neto minha primeira motocicleta. Era uma ITAL-GET 1.964, 50 cc, quatro marchas, azul e cinza-dourado, linda. Meu primeiro grande amor, e ainda tinha tradição, pois fora propriedade do Victorinho (Victório Barbugli Júnior) e do Negão (Luiz Antonio Cândido) e foi através dela que entrei no fechado mundo das competições, conseqüentemente amigo da fera e notáveis como os Irmãos Faito, Penha, Neto, Luzia, Manolo, Valdemir Rastelli, Armando Passalacqua, Bianchini e outros de quem já escrevi.
Tinha um agravante: nunca tinha sequer acelerado uma moto e neste instante contei com a generosidade de José Antonio Piccin que me ensinou os primeiros segredos do acelerador. Daí prá frente foi um pulinho e rapidamente passei a freqüentar e fazer parte da equipe dos meus sonhos e a compartilhar da companhia de Nezinho e demais integrantes da galera. Tive sorte, pura sorte, piloto excepcional, tornou-se amigo melhor.
Performance
Ele andava prá caramba, dono de uma técnica refinada, piloto arrojado, tinha outras qualidades. Detalhista, conferia tudo, checava tudo, queria tudo do melhor, brigava pelo melhor e ainda tinha a capacidade de passar para o mecânico-chefe, pormenorizadamente, todas as reações da motocicleta. Acertava como poucos seu equipamento e isso repercutia nos resultados. Era vitória em cima de vitória. Era o Moto Clube de Araraquara sendo respeitado cada vez mais por este Brasil à fora. Nezinho corria de motocicleta como se fizesse a coisa mais natural da vida, tudo sincronizado, tudo simples.
Naquela época, um menino ainda, sabia otimizar tempo, buscava tecnologia, estudava os traçados, conhecia e se interessava por novas literaturas da mecânica.
Certa oportunidade, logo que comecei a correr, me perguntou:
– Você já leu sobre a Anatomia de um Motor de Corridas – Revista Grand Prix?
– Não, respondi meio ansioso.
– Então leia, vai ser legal, vai ser bom prá você.
São pequenos gestos, atitudes de um campeão, que mesmo sabendo desde a primeira vez que nos vimos, que eu tinha garra, tinha força de vontade, tinha coragem e era capaz de morrer em busca dos meus sonhos não sonegava nada. Mais ainda, ensinava, não tinha e nunca teve orgulho da posse, do poder, do saber, mesmo quando por decisão pessoal resolveu dar um tempo em corridas. Despojado, passava horas e mais horas com todos nós discutindo como melhorar os equipamentos e não se furtava em dar dicas de pilotagem.
História
Um dia desses, revendo guardados antigos de todo o grupo, encontrei uma pérola. Em matéria publicada no Jornal “Diário da Araraquarense”, de 22 de abril de 1969, o saudoso jornalista Horácio Campos Martines destaca que o jovem piloto de Araraquara realizou grande feito, pois estabeleceu média geral em sua prova na categoria 50 cc (96.9 km/h), velocidade superior à alcançada pelo vencedor da categoria 150 cc (95.8 km/h).
O que o jornalista encarou como um grande feito, o tempo se encarregou de melhorar ainda mais. O Vencedor da categoria 150 cc que Nezinho, com sua 50 cc andou melhor, era nada mais nada menos Eduardo Celso Santos, que quatro anos mais tarde, na Espanha, circuito de Jarama, viria a se consagrar mundialmente como Adu Celso, o primeiro brasileiro a vencer um grande prêmio mundial, categoria 350 cc especial). Entendeu? Andava “pouco” este menino do poster…
Questionamento
Passei um bom tempo tentando entender por que o Evaldo Salerno não continuou correndo, batendo recordes e vencendo, ficando cada vez mais campeão. Entendi… ele não ficava campeão, nasceu campeão! (Benê 0xx16-232-1996)