Diante de notícias sobre Terri Schiavo, cuja morte é iminente a se considerar a ausência de nutrientes, aflora um tema desconfortável que é sempre adiado, a eutanásia, ou seja: a boa e inexorável morte.
Para as melhores reflexões sobre o evento do qual não podemos nos esquivar indefinidamente, neste espaço nobre, fomos buscar o conhecimento científico da Dra. Margarida Conceição (neurocirurgiã especializada em neuro-cirurgia funcional e dor. É médica colaboradora do Grupo de Dor do Hospital das Clínicas da USP-Capital), a fim de subsidiar o debate pelo JA.
“A significância cultural das recentes mudanças na medicina e na biotecnologia modificaram as atitudes das pessoas em relação ao morrer e trouxeram novos interesses na fundamentação moral da tomada de decisões éticas sobre a dignidade humana.
O aumento da incidência de doenças graves como o câncer e os acidentes vasculares cerebrais e recentemente pelo caso Schiavo trouxe uma reflexão para a sociedade sobre os estados clínicos que levam a períodos prolongados de sofrimento em estado irreversível. Observa-se que do ponto de vista bioético e legal não há um consenso sobre o tema. Enquanto que na França a eutanásia é proibida, a Inglaterra permite a eutanásia passiva enquanto a Holanda e a Dinamarca permitem a eutanásia ativa.
No mundo, tal discussão levou segmentos da sociedade a se envolverem ativamente sobre a tomada de decisões nos cuidados de sua própria saúde, dando origem ao projeto BRIGDE (que significa ponte em português), baseado em histórias de pessoas como Julia Warren, Theresa Draper, e Jim Overstreet. (fonte Bioethics Forum. 1999 Summer;15(2):36-45)
Aqui no Brasil, a professora de antropologia e diretora da Associação Internacional de Bioética, Débora Diniz, em recente debate expôs que a deliberação sobre quando e como uma pessoa enferma deva morrer não deve ser imposta aos médicos ou enfermeiras, mas, decidida por cada um, e que a avaliação sobre a intensidade do sofrimento é um ato individual. A decisão sobre o momento de não querer mais a manutenção da vida em situações que a dignidade é ameaçada pelo sofrimento, pela dor ou pela doença seria um direito inalienável e que ser livre para morrer seria uma expressão da democracia.
No contraponto dessa argumentação encontram-se afirmações como a da ética judaica que preconiza que sejam seguidos os preceitos religiosos, principalmente para os judeus ortodoxos. A tradição judaíca contém fontes textuais sobre o conceito de doença terminal e o encurtamento da vida pelo suicídio, suicídio assistido ou eutanásia é categoricamente proibido.
Neste grupo – em que os tratamentos que não são potencialmente curativos podem ser recusados pelo indivíduo – é ele próprio que admite o envolvimento do seu rabino para a tomada de decisões. (fonte Palliative Medicine. 2004 Aug;7(4):558-73.)
O padre Leo Pessini, autor de Humanização e Cuidados Paliativos e um dos diretores da Associação Internacional de Bioética, defende “o morrer em paz”, aceitar a condição humana, mas, negar a abreviação da vida e recusar o prolongamento exagerado do sofrimento, o tratamento fútil. Investir nos cuidados paliativos e no conforto dos pacientes terminais.
Este caleidoscópio de certezas, expostas por diferentes pessoas, são facetas dos aspectos contidos em nós mesmos. Aspectos estes que se constroem com a experiência única de viver e viver é sempre fazer escolhas, inclusive a escolha da dignidade da vida ou de decidir morrer. Que o debate se inicie aqui, pense e opine considerando o significado dos termos:
Mistanásia: Morte com sofrimento, sem auxílio .
Distanásia: prolongamento exagerado da agonia, do sofrimento do indivíduo por meio da tecnologia e de medicamentos.
Ortotanásia: deixar que pessoas com doenças incuráveis “morram à sua própria morte” enquanto nenhum esforço extra é realizado para prolongar a sua vida cuidando apenas dos sintomas, como dor, fome…
Eutanásia passiva: Evitar qualquer tratamento médico que retarde a morte.
Eutanásia ativa: Acabar a vida de uma pessoa de uma maneira indolor a seu pedido e com a intenção de prevenir o sofrimento.
Assistência ao suicídio: Ajudar a alguém tirar a própria vida”.