Benê (*)
Me propus a escrever sobre algumas lembranças que tenho guardadas em meu coração relacionadas a Motociclistas, Motocicletas e ao extinto Moto Clube de Araraquara, uma equipe vencedora e que muito dignificou o nome de Araraquara por este Brasil à fora. São fatos relatados da maneira que recordo e se por ventura não retratarem a verdade nua, antecipadamente peço desculpas, pois, com certeza, são como contarei que os mesmos estão gravados em minha mente. Nunca serão mentiras, talvez alguns lapsos ou ainda da maneira fantasiosa que os guardo.
Hoje contarei sobre duas pessoas que adoro e gosto como irmãos, dois pilotos extraordinários, que eram arrojados e ao mesmo tempo técnicos, experientes desde a tenra idade, duas feras…..até hoje. (O tempo de treino como brincadeira cronometrado de ambos com estas “gaiolas” na pista de terra, assusta qualquer piloto em atividade).
Era um domingo à tarde, estávamos todos -como fez uma geração inteira de jovens- passeando na Fonte Luminosa, o bairro mais chique de Araraquara, cortado por duas lindas e arborizadas alamedas. Se você quisesse encontrar alguém desta cidade, no fim de semana, era só ficar um pouco na frente do primeiro balão e, certamente, se ela também desejasse o mesmo não tenha dúvida, acabavam se vendo. Por isso, tudo acontecia naquele local, era o ponto de paquera, de footing, de movimento. Meu grupo andava de motocicleta e estacionava, estacionava e depois andava. Mas, o certo é que passávamos a tarde do domingo inteira alí. De vez em quando saia um racha e era um espetáculo, pura emoção, adrenalina mil, tinha de tudo. Gente que tocava pra caramba, gente louca e gente louca que também tocava prá caramba: Manolo (Emanoel Toledo de Lima), Adolpho Segnini, Antônio Carlos Silvino e outros por ai. Tinha também o pessoal do Moto Clube Araraquara, equipe oficial de competição que, de vez em quando, com a possível margem de segurança do local, também entrava no divertimento. Num final de tarde destes, quando o sol já caia, por volta das cinco participei de um, que não era o meu primeiro. Mas, foi sem dúvida, prá mim, o mais importante. Com minha Ducati Marck 3 250 cc junto com Evaldo Salerno (Nezinho), meu idolo, que pilotava uma Suzuki 500 cc e Celso Martinez (Baiano Faito), minha referência em motocicleta com uma Ducati Marck 1, 250 cc preparada para as corridas do saudoso Victorinho Barbugli, fomos pro pau. Eles, dois extraordinários pilotos, com experiência de corrida em autódromo, pista de rua e ainda o fato de terem nascido e crescido no meio da graxa. Eu não, somente um menino sonhador, encantado com a oportunidade da companhia de ambos. Aceleramos do primeiro para o segundo balão, a Suzuki pulou na frente, depois a Marck 1 e eu por último, chegamos juntinhos na entrada do segundo nesta ordem, tão próximos que metidamente cheguei a colocar a roda dianteira de minha motocicleta entre as duas que iam na frente. Em quinta marcha, no fim da reta, reduzi firmemente na entrada para quarta e terceira marcha, movimento sincronizado de cambio e freios mantendo a rotação do motor na casa dos 7×100 giros. Com bastante suavidade fui inclinando meu corpo, primeiro para a direita levando meu peito e braço direito prá frente. Depois, no inicio da curva, comecei a deitar buscando o centro de gravidade, jogando todo resto do corpo para a esquerda e comecei a contornar (comendo poeira) o grande balão já acelerando de novo para colocar quarta marcha para direita e, finalmente, quinta na saída distante uns 50 metros da curva que acabávamos de contornar. Foi um barulho ensurdecedor. Para quem é amante de corrida parecia uma orquestra, totalmente afinada entre movimento de pêndulos, marchas e sons. Cada um de nós e eles com muito mais competência tirando tudo que o motor e espaço podiam proporcionar. Descemos o retão de volta, rumo ao primeiro balão. Marcha com marcha, roda com roda, som sobre som, um orgasmo imenso. Fiquei por último, no resultado. Mas, penso que a partir daquele dia nunca mais fui o mesmo, me senti um deles, do time. Não faz mal, naquele momento, o pior, o mais novo ou ainda o menos experiente. Senti o mundo que imaginara prá mim, desde criança, quando me deliciava em ver e ouvir as lambretinhas Standers – preparadas do José Domingos(Zezé) Braghini e do Gildo Scarpa. Estava tão perto e palpável que eu mesmo me dei status de piloto. (Que, talvez, nunca tenha sido).
Desaceleramos entre as ruas Gonçalves Dias e Nove de Julho e fomos embora. Descemos a rua três, calmamente e cada um foi para sua casa. Como o sol que também se retirava sem qualquer explicação, sem qualquer comentário. Depois fomos pro cine Plaza, depois para a segunda-feira e, depois, para a vida. Passados tantos anos, ainda grandes amigos e meus eternos ídolos, acho que ambos não têm a menor lembrança disso tudo e ainda não sabem da importância que o fato representou para mim, para a minha vida, pro meu futuro e, principalmente, por me terem proporcionado um daqueles momentos impagáveis que todos nós temos e que estão eternizados dentro do nosso coração.
Nota: Isso foi em fevereiro ou março de 1974, eu tinha dezesseis anos. A Fonte Luminosa não tinha balão na rua 2, a gente podia estacionar no lado esquerdo, tanto indo como vindo e éramos muito, mais muito felizes e nem sabíamos.