Um professor da USP combate uso precoce do computador e proclama: “deixe a criança ser infantil. Não lhe permita acesso a TV, joguinhos eletrônicos e computadores”.
O Prof. Valdemar W. Setzer tem a coragem de navegar contra a maioria e, até por isso, seu alerta merece a reflexão neste Dia da Criança.
“Para se falar de computadores na educação é preciso compreender o que é um computador, e o que é educação; para falar desta última, é preciso compreender o que é o ser humano e como ele se desenvolve com a idade.
O essencial de um computador é que ele é uma máquina abstrata, matemática. Tanto os dados como os programas quanto os comandos que se dão a um software de uso geral como um editor de textos são na verdade funções matemáticas. Assim, para qualquer pessoa usar um computador é necessário que ela exerça um raciocínio matemático, ou melhor dizendo, lógico-simbólico. Isso obviamente não se aplica quando a pessoa está digitando um texto, mas se aplica totalmente quando ela necessita, por exemplo, usar um comando qualquer do editor, como alinhar verticalmente o texto, definir o tipo de parágrafo, etc.
Em termos educacionais, faço a pergunta que quase ninguém faz: a partir de que idade é correto forçar uma criança a exercer um pensamento formal, lógico-simbólico? Para responder essa pergunta, usei o conhecimento do ser humano que foi introduzido no começo do século por Rudolf Steiner. Baseado nesse conhecimento, ele introduziu em 1919 o que se denominou Pedagogia Waldorf. Está nas 12 Escolas Waldorf do Brasil (existem cerca de 600 no mundo todo, mais de 100 nos EE.UU., onde contrariamente ao nosso meio acadêmico cheio de preconceitos e ignorâncias, é objeto de muitos estudos e teses).
Pois bem, usando o modelo de desenvolvimento de Steiner e a imensa prática com sucesso das Escolas Waldorf, cheguei há muito tempo à conclusão de que o pensamento abstrato forçado pelo computador prejudica os jovens até a idade de 16-17 anos, forçando-os a usarem uma linguagem e um tipo de pensamento que são somente adequados após muita maturidade mental. Por isso elaborei um programa de ensino do que é um computador, iniciando na 1a. série do Colegial com hardware (que não é tão abstrato) e culminando com software de uso geral na última série (veja-se artigo a respeito através de ponteiro em minha página da web). Não há necessidade alguma de uma criança começar a usar computadores antes, como não há necessidade nenhuma dela ver TV ou jogar os terríveis vídeo-games. Para os pais que acham que a criança não estará preparada para enfrentar o mundo futuro, digo que em 5 anos os computadores e seu uso serão muito diferentes de agora, imaginem então quando essas crianças entrarem no mercado de trabalho… Além disso, não será (como já não é, em grande parte) necessário aprender a usar cedo um computador – o seu uso está cada vez mais simples, acessível a qualquer pessoa, mesmo a analfabetos, de modo que uma familiarização precoce não ajuda em nada. Pelo contrário, prejudica, pois em minha experiência educacional jovens até 15 anos só querem brincar com o computador, como se fosse joguinho eletrônico, e não aprender algo seriamente com ele ou a respeito dele.
E por falar em “seriamente,” o que acontece se uma criança ou jovem usam um software educacional, digamos, de Geografia? Eles serão atraídos enormemente, terão um entusiasmo que dificilmente um professor-gente conseguirá despertar. Mas, pergunto, o entusiasmo é pela Geografia? Não, o entusiasmo é por todo o aspecto visual, auditivo e de animação, enfim, o entusiasmo é pelo cosmético e não pelo que ele embeleza. Por detrás desse cosmético multimídia está quase zero, isto é uma face muito feia. Pensem os pais e educadores: como é que uma criança acostumada com essa embromação de cosmético vai enfrentar um livro ou uma aula de Geografia? Vocês estão viciando a criança num padrão que não é o da educação; esta leva tempo, exige calma, reflexão e um contato humano entre professor e aluno, exige a arte do professor para atrair a atenção do aluno e ao mesmo tempo transmitir conhecimento. Isso nos leva ao próximo ponto.
Uma aberração
Outras das falácias usadas para promover (vender???) computadores na educação são as de que com o computador cada aluninho pode seguir seu ritmo, não tem medo de ser repreendido e de tirar nota baixa. Tudo isso é verdade, mas é uma aberração do ponto de vista educacional. Em educação, não se pode queimar etapas, ensinar gramática antes de ler, álgebra antes de aritmética. A seqüência e o ritmo são absolutamente essenciais em educação. Afinal, isso tem funcionado nas classes tradicionais; lembremos que não se tem a mínima idéia como e por que os seres humanos aprendem – senão o curso de medicina não levaria 6 anos… Somente um professor-gente pode saber e ter a intuição de que ritmo é adequado para sua classe, e idealmente para cada aluno da classe (o que acontece nas Escols Waldorf). Somente um professor-gente pode ter experiência de que velocidade pode imprimir à sua matéria e como abordá-la, qual a maturidade intelectual e emocional de seus alunos, o que foi visto na semana e no ano passados e o que outros professores estão dando. O ensino libertário permitido pelo computador é uma aberração educacional, altamente prejudicial às crianças.
Internet
Para finalizar, quero abordar o ataque às crianças e aos jovens: a rede Internet. Senhores e senhoras, Internet não é para crianças e jovens. Ela exige uma maturidade fantástica, pois senão o seu usuário vai perder uma enormidade de tempo navegando indisciplinadamente (aliás, o computador induz indisciplina mental, mas não tenho espaço para discorrer sobre esse terrível problema educacional) por águas muitas vezes sujas e que não levam a lugar nenhum. A quantidade de coisas inúteis e porcaria na Internet ultrapassa qualquer imaginação de poluição mental. Crianças jamais deveriam ser deixadas sozinhas usando a rede, pois há um perigo imenso delas entrarem em contato com coisas impróprias para sua idade. Não me refiro somente à violência (como fabricar bombas terroristas) e pornografia (inclusive troca de mensagens interativas com pessoas inescrupulosas). Um inocente texto científico explicando o problema dos buracos de ozônio pode ser altamente prejudicial, se a criança não tem maturidade intelectual e emocional e nem base para compreendê-lo. Os leitores dirão: “mas isso já acontecia com livros e revistas.” Sim, só que aí a atração não é tão grande e os pais e professores podem exercer o necessário controle, que desaparece quando a criança ou jovem é deixado a sós com seu computador.
Aí estão apenas alguns argumentos no pequeno espaço que me deram, mas suficientes para mostrar por que eu considero o uso de computadores por crianças e jovens de menos de 16-17 anos um crime contra a infância e a juventude. O computador transforma-os em adultos precoces, pensando formal e abstratamente, exercitando auto-educação, e exigindo auto-controle. Como disse Neil Postman em seu livro com esse título em Inglês (mas que não aborda o problema do computador), estamos provocando o “desaparecimento da infância,” o que será terrível para o futuro da humanidade. Que crime computacional!
V.W.Setzer é Prof.Titular (aposentado) do Depto. de Ciência da Computação da USP. Tem livros sobre computadores na educação publicados no Brasil, Inglaterra, Alemanha e Finlândia.