Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves (*)
O réu condenado pelo Tribunal do Juri começará cumprir a sua pena imediatamente. É o que decidiu Supremo Tribunal Federal, na última quinta-feira, ao julgar recurso de um réu de Santa Catarina, condenado a 27 anos de prisão, por feminicídio. Ele é acusado de matar a esposa com facadas, fugiu e depois ser preso portando arma de fogo. Impetrou recurso pleiteando só cumprir a pena depois da condenação transitar em julgado e caso não obtenha absolvição.
Até agora era habitual o réu recorrer em liberdade. O recurso do catarinense foi apresentado em 2020 ao plenário virtual do STF, retornou em 2022 e 2023 e, no presente, chegou à decisão. Não sem antes abrir três linhas de entendimento entre os ministros. A primeira linha, vencedora, é a defendida pelo relator, ministro Luiz Roberto Barroso, determina que o réu cumpra a pena imediatamente após a condenação, considerando-se que o Júri é dotado de soberania em seus veredictos e, mesmo quando a decisão recursal é favorável ao réu, a instância superior não anula a sentença; em vez disso, determina a realização de novo julgamento. Acompanharam Barroso os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Gilmar Mendes defendeu a impossibilidade de cumprimento imediato por conta da presunção de inocência constitucionalmente estabelecida e foi seguido por Ricardo Lewandowski e Rosa Webber, hoje aposentados, que votaram quando ainda faziam parte do STF. Por fim, Edson Facchin defendeu a execução da pena só quando superior a 15 anos, conforme o previsto no Pacote Anticrime. Luiz Fux o acompanhou.
O Tribunal do Júri, existente em todas as comarcas, é constituído por cidadãos da comunidade que julgam seus pares acusados de praticar crimes dolosos (quando há a intenção) contra a vida, tipo homicídio, feminicídio.
Quase ao mesmo tempo, na quarta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou projeto originário do Senado, que cria um artigo especifico para definir o feminicídio, até o presente catalogado como homicídio qualificado. O delito terá nomenclatura própria e, além disso, sua pena, hoje fixada entre 12 e 30 anos, será majorada para reter o condenado recluso de 20 a 40 anos. O texto segue nos próximos dias para a sanção presidencial.
Coincidência ou não, na mesma semana, o Judiciário e o Legislativo emitem duas ordens que tornam mais severas as penas, uma tendência completamente diferente do entendimento e propósitos que vigeram durante as últimas décadas, quando a legislação penal e principalmente a execução da pena foi abrandada sob muitos argumentos que levam a sociedade à decepção e velados protestos. Atribui-se à leniência e enfraquecimento da execução penal a escalada do crime vivida pelo País durante esses anos todos. Oxalá os Três Poderes – sem a ânsia de se parecerem democráticos que prevaleceu após 1985 – ano em que os militares de 1964 devolveram o poder aos civis,- voltem a observar a conveniência do Estado tratar com rigor os cometedores de crimes e isso redunde na diminuição do número de delitos e, principalmente, de vítimas.
Toda questão tem pelo menos dois lados. Não há o menor sentido que o réu, seja do Juri ou de outros ramos da Justiça, possa se beneficiar da possibilidade de recursos protelatórios para retardar o cumprimento da pena que lhe foi imposta. Ele tem de ser compelido a pagar sua dívida para com a sociedade. O STF precisa tornar claro quem dos réus deve ir para o cárcere imediatamente após o julgamento e os que possam continuar com o benefício do recurso em liberdade. Não se deve ignorar que uma coisa é o crime doloso, premeditado e de caráter patrimonial (assalto, sequestro e outros seguidos de morte) e outra é aquele delito que o réu comete sob violenta emoção e se tivesse disposto de apenas um ou dois minutos para reflexão, não teria cometido. Pensamos que os procedimentos têm de se modernizar e avançar para proporcionar Justiça e o bem-estar da comunidade. Mas os avanços não podem, nem devem, abolir conquistas. A divisa entre o justo e o injusto é tênue. Que os julgadores – inclusive os jurados – tenham sensibilidade para aplicar a seus réus o melhor que as leis preveem, sempre no objetivo de, além de cobrar suas dívidas, contribuir para sua ressocialização.
(*) É dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)