De mulher para Mulher

Rosa Godoy (*)

É isso aí, companheira, como diria você, ninguém mandou nascer mulher… Agora, toca batalhar para transformar o mundo com as armas mais inóspitas. Pouca sorte, é nelas que a gente bota fé.

Para lutar contra a violência, encontramos eco apenas no choro, no protesto, no lamento e na indignação. No tête a tête com o agressor, o físico não dá conta. É a triste sina do sexo frágil, razão da forçada submissão a tantos estupros, de corpo e alma, de que somos vítimas. Escancaradas, renascemos colando os cacos da pouca intimidade que nos resta…

Para lutar contra a crueldade do mundo macho das drogas, ameaçando nossos lares, decepando o futuro dos nossos filhos, só temos o colo no qual eles se deitam exaustos, desvalidos, desesperançados, na escuridão do túnel. Quantas vezes somos o único lume, quase sem vida, que os pode iluminar. Fracas, só nos resta a determinação de nunca os desamaternar…

Para lutar contra o abandono, temos a dor da perda a acalentar o coração, cansado de tanto apanhar. Se recordar é viver, resta apenas a saudade, a lembrança dos bons momentos que não voltam jamais…

Para lutar contra a responsabilidade solitária, sobra a tristeza da impossibilidade de construção da vida compartilhada. Na desparceria, resta apenas o conforto tênue do dever cumprido, do feito, necessário à sobrevivência dos que dependem de nós…

Para lutar contra a privação da nossa liberdade, temos apenas a constatação de que estamos acorrentadas ao destino. Restam a paciência e a resignação de esperar que o tempo construa a mudança necessária e que, finalmente, ela bata à porta…

É isso aí, companheira, quantas e quantas vezes, o que é lido como coragem e determinação, para nós, é apenas falta de outra alternativa para enfrentar os desmandos da vida. Foi você que me ensinou tudo isso, é a sua voz que ouço quando falo dessas coisas.

Você, Mulher que me fez mulher, me fez compreender que nesse corpo há dois corpos, um que gera a vida e um que gera o prazer de viver e que independem um do outro. Nisso, ensinou-me a amar os homens e as mulheres que me tornam mais mulher, a desejar estar com eles e com elas, como o sedento deseja a água à beira da fonte.

Você, Mulher que me fez mulher, me fez compreender que nesse mundo há dois mundos, um deles e um delas, que se tocam de vez em quando e que, embora dependam visceralmente um do outro são, quase sempre, opostos. Ensinou-me que existem filhos e que devemos revisitar com eles a masculinidade, para torná-la transformadora da macheza atual. Ensinou-me que existem filhas e que devemos fazer tudo para que elas, mulheres, sejam, no mínimo, uma edição revista e melhorada de nós mesmas.

Você, Mulher que me fez mulher, me faz falta hoje, no Dia da Mulher. Você, que me ensinou tudo, ensinou-me até a ficar sem você. Eu é que não aprendi, querida MULHER…

Dedico este texto à minha mãe, Therezinha Corazzini Godoy, a Mulher que me fez mulher.

(*) É Enfermeira e colaboradora do JA.

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