Rosa Godoy (*)
A história da invenção das luvas cirúrgicas, atualmente empregadas em todo o mundo, é certamente muito curiosa. Tudo começou com um caso de amor entre um médico e uma enfermeira que era sua instrumentadora cirúrgica, quem diria!
No final dos anos 80 do século XIX, nos Estados Unidos, Dr. Guilherme Halsted, cirurgião da Universidade de Baltimore, gozava de grande prestígio e realizava importantes operações. Além disso, era um pesquisador incansável.
Estamos falando dos primórdios da moderna cirurgia em que os métodos de assepsia eram precários, apesar de já conhecida e divulgada a teoria bacteriológica, descrita por John Snow, na Inglaterra, em 1855. Num livro que até hoje é considerado a Bíblia da epidemiologia, ele descreveu um estudo acerca da epidemia de cólera que assolou Londres e deixou de cabelos brancos os sanitaristas da época durante alguns anos. Trata-se da obra intitulada “Sobre a Maneira de Transmissão do Cólera”.
Com base nessa teoria, para impedir as infecções, os instrumentos cirúrgicos eram esterilizados, embora com métodos nada parecidos com os de hoje. O material contaminado era mergulhado durante algum tempo em soluções antissépticas. Para as mãos, não existiam luvas, eram apenas lavadas com as mesmas soluções usadas para o instrumental.
Ocorre que a enfermeira Caroline Hampton, que trabalhava como instrumentadora do Dr. Halsted, desenvolveu uma espécie de alergia aos produtos usados nas mãos, o que resultou em lesões graves que a impossibilitavam de continuar trabalhando. O Dr. Halsted, que era um apaixonado pela ciência e também pela instrumentadora, viu-se diante de um problema sério: ou ele achava uma saída para impedir a alergia ou ficaria sem a presença da sua namorada no trabalho. Precisando proteger as mãos amadas e sem querer abrir mão de tão boa companhia – fato este que deve ter sido temperado com uma boa dose de ciúme, dada a beleza da moça – ele idealizou uma fina luva protetora e encomendou sua execução para a Good Year Rubber, firma especializada em artefatos de borracha. O objetivo era impedir o contato das mãos com o antisséptico, sem atrapalhar o desempenho durante a cirurgia. Além de proteger a pele, as luvas não deveriam impedir os movimentos. A fábrica executou o projeto com sucesso inusitado para a ocasião, além de desdobramentos futuros invejáveis. Conhecidas como “as luvas do amor”, as tais, aperfeiçoadas, evoluíram para as luvas cirúrgicas da atualidade, tornando-se até descartáveis.
Quanto ao médico e à enfermeira, se casaram em junho de 1890 e foram felizes para sempre. Ou, pelo menos, enquanto durou o romance, pois naquela época, se existisse, Vinícius de Morais já faria sucesso com a máxima “que o amor seja eterno enquanto dure”. Se durar o quanto duram as luvas de borracha, já estará de bom tamanho, considerando-se o material, não o uso, que hoje em dia é efêmero, do tipo “usa uma vez e joga fora”. E por falar nisso, sempre é bom lembrar que a qualidade de ser descartável não combina com as pessoas, muito menos com aquelas que se dedicam à difícil e complicada arte de amar…
(*) É enfermeira e colaboradora do J.A