João Baptista Galhardo
Crianças-garagem-cachorro-taxa de condomínio formam o quarteto responsável pelas brigas nos prédios de apartamentos. É claro que há condôminos vivendo em perfeita harmonia, com respeito, amizade e estima entre todos. Mas não é fácil. Essa convivência exige dos moradores um exercício de paciência e reciprocidade. Não é demais lembrar que o direito de um acaba quando o do outro começa.
Ao trocar a casa térrea pelo apartamento há quem leve seus animais, a sua piscina de lona, a sua churrasqueira, seu estridente aparelho de som, ignorando o direito de vizinhança, como se fosse viver isoladamente. Não é bem assim. Uma pessoa perguntou-me se podia levar uma enorme tartaruga. Eu lhe disse: – pergunte para ela. E cachorro? Um novo morador levou para o prédio o seu cachorrinho. Um filhote de Rottweiller. E o síndico disse que não podia.
– Come não pode? Está na convenção que cachorro pequeno pode.
– Sim, mas esse vai crescer. Ficará enorme e feroz.
– Não é isso que o regimento diz. Lá está escrito que cachorro pequeno pode. Não diz cachorro de raça pequena. É questão de interpretação. Vou pára a Justiça.
Dificilmente chegam a um acordo os que têm e os que não têm animais. O Oscar foi eleito síndico e já não agüentava os fuxicos e as intrigas nos seus ouvidos. Teve a péssima idéia de colocar na recepção uma urna para colher denúncias anônimas. Aconselhei que não fizesse:
– No anonimato toda pessoa canalha se revela.
Ele não me ouviu. Colocou. No primeiro bilhete, feito em computador estava escrito “a mulher do síndico está de caso com o porteiro”. Aí a suspeita da autoria recaiu em todos…
Em outro prédio houve uma ordem do síndico para o administrador denunciar o fumante de elevador. Principalmente quem joga a bituca no chão. Flagrou. Denunciou. Foi despedido. Era o próprio síndico.
Há condôminos que não aceitam o encargo de síndico, mas criticam quem seja, acusando-o de “dono do prédio, que mudou a conta para o Banco de sua preferência para agradar o gerente. Que só ele atrasa no pagamento da taxa de condomínio e outras acusações fundadas ou infundadas. Há síndico para todo gosto. Até o esperto que coloca câmera falsa no elevador para simular filmagem. Um condômino disse para a esposa:
– Você viu o mau gosto do síndico. A cor que ele escolheu para pintar o muro do prédio? “E atrevido”, disse a mulher. Completando: “outro dia me chamou de gostosona”.
– Eu não falei? Que mau gosto ele tem. Disse o marido.
E piscina? Na primeira reunião de um prédio a discussão esquenta sobre quem pode ou não usa-la. Empregada não pode. Mas como? Tenho filhos pequenos. Ela tem que acompanhá-los!!
– Pode ir, mas não entra na água.
– E visitantes?
– Não pode. Sabe lá se tem alguma doença
– A não ser que faça exame médico.
– Onde?
– Não sei. Traga comprovante de algum clube que ele freqüenta.
No fim vota-se que não pode. E a verdade é que nem os condôminos usam a piscina que só serve para aumentar a contribuição mensal. No final da reunião ficam sempre alguns fofoqueiros.
– Já pensaram? A Miss Borbulhas vir nadar aqui?
– Quem é?
– Você não sabe?
– A irmã da nariz empinado do andar de cima. Não sei o que ela faz na piscina do clube para ter esse apelido.
Há brigas sobre as vagas na garagem. Mesmo autônomas alguns não respeitam. Principalmente se o apartamento estiver vazio ou ausente o seu ocupante. Pela manutenção do playground só vota a favor quem tem criança.
Porém, da convivência nascem boas amizades. O Zelão, próspero comerciante mudou para um prédio. Ficou vizinho do simpático Doutor Francisco Eufrásio que é Delegado de Polícia.
– Pára com isso de me chamar de doutor. Para os amigos vizinhos eu sou o Chicão.
Foram até pescar juntos. Um dia o Zelão foi intimado para depor na Delegacia como testemunha. Para surpresa era titular o seu vizinho. Diga o seu nome completo, onde mora, profissão e coloca sobre a mesa o seu RG.
O simplório Zelão não entendendo que o amigo tinha a obrigação funcional e formal de fazer aquelas perguntas, retrucou:
– Qualé Chicão? Ta me tirando… Tá me gozando?
Quase foi preso. Em outro prédio um novo morador, cachaçado, voltando da sauna, erra de apartamento. A moradora, saindo nua do banho, percebendo gente estranha, pega logo os dois sapatos do marido que estavam sob a cama e cobre depressa tão somente a sua vergonha, deixando as solas para o lado de fora. O intruso, vesgo de bêbado, um olho vigiando o outro, encara os sapatos e diz:
– essa eu tenho que aprender. Cadê o cara?