Há poucos dias, tomei conhecimento de um processo que está correndo onde, a certa altura, alguém falou em "teste de anestesia" querendo dizer que, quando uma pessoa precisa ser operada, tem que passar antes por um teste para ver se ela pode tomar anestesia geral.
NÃO EXISTE TESTE DE ANESTESIA! O que há, comumente, são testes prévios para certas injeções, para colírios e para pomadas ou cremes. O mais vulgar dos testes é aquela injeçãozinha no antebraço de quem vai tomar penicilina pela primeira vez.
Há alguns anos, fiz uma enquete na qual perguntei para inúmeras pessoas, na rua, como achavam que era feita uma anestesia geral. Muitos responderam que era uma injeção na veia. Um homem que encontrei comprando jornal numa banca me respondeu: "Anestesia geral é uma injeção que o Doutor faz na veia da gente, fazendo a gente ficar como morto; no final, ele faz outra injeção prá gente acordar e se a gente não acordar, sífu…"
Acontece que a anestesia geral convencional é feita com um gás que se dá pro paciente respirar. Vai daí que não tem cabimento o anestesista chamar um paciente no consultório dele, na véspera de uma operação, e mandá-lo dar uma cheiradinha num gás anestésico. O anestesista somente vai pôr o gás pro paciente respirar quando ele já estiver deitado na mesa operatória, com o cirurgião ao lado e tendo à mão todos os equipamentos de controle, oxigênio, monitores e auxiliares.
Ao abrir a torneirinha, o anestesista não pode deixar o gás anestésico solto no ar, senão todos os narigudos da sala também dormem. Ele mistura o gás com oxigênio numa espécie de máscara ou num tubo que é introduzido na goela.
Se o anestesista colocar a máscara ou o tubo "a seco", a sensação inicial do paciente é desagradável. Por isto, ele aplica uma injeção venosa que dá um soninho rápido, tirando do paciente a impressão inicial de estar sendo sufocado. Se o paciente tem apenas um braço destroncado ou um abscesso, o soninho é suficiente, mas a anestesia convencional é gasosa, respirada.
Confirmando, não há teste para anestesia geral. O que há, antes de uma cirurgia, é uma AVALIAÇÃO do Médico Anestesista ou Anestesiologista para verificar as condições gerais do paciente, sobretudo as condições cardiovasculares e as sangüíneas. Ele anota a avaliação numa ficha, através da qual o Anestesiologista escalado para a cirurgia daquele paciente vai selecionar os produtos anestésicos que são adequados ao caso dele.
EIS AS FASES DA ANESTESIA GERAL:
1ª)- Avaliação do paciente, feita no consultório dos anestesistas. Pode ser no leito do hospital quando o caso é urgente.
2ª)- Pré-anestésico é o calmante oral ou injetável dado no quarto antes do paciente ir para a mesa, mais um remédio para lhe reduzir a saliva.
3ª)- Indução é a tal injeção na veia para o soninho inicial.
4ª)- Manutenção é a aplicação correta e dosada do gás que mantém o paciente anestesiado até ao final da cirurgia.
5ª)- Oxigenação é o oxigênio dado para ser respirado junto com o anestésico.
6ª)- Relaxamento ou curarização é a aplicação de um produto que tem um efeito semelhante ao do curare, que é aquela meleca que os índios punham na ponta da flecha para fazer o animal ficar mole no chão, sendo caçado a unha. É uma injeção que relaxa os músculos, importante nas operações em que se abre a barriga ou o tórax.
7ª)- Controle contínuo dos sinais vitais: pulso, temperatura, pressão, batimentos cardíacos, respiração, diurese, reflexos, monitorização.
8ª)- Recuperação é a desimpregnação dos restos de anestesia que estão no corpo do paciente, controle geral do que está deprimido ou agitado, posicionamento adequado no leito e aspiração da baba da boca e do nariz.
Na fase da indução, conforme a injeção vai sendo dada na veia do paciente, ele vai pegando no sono. Uns dormem mais rapidamente que outros, de acordo com a sensibilidade do paciente aos sedativos.
O Anestesista mais antigo que conheci aqui em Araraquara foi o Dr. Gentil Ferreira, falecido em 1968. Ele morava na Rua 5, onde é hoje a sede da OAB. Ao fazer a injeção venosa de indução, ele costumava mandar o paciente ir recitando o Pai Nosso bem pronunciado e em voz alta. Geralmente o paciente dormia antes do "perdoai as nossas ofensas…".
Uma tática costumeira era mandar o paciente contar os números em voz alta. Ali pelo sete ou oito e ele já parava, sendo o momento ideal para lhe instalar a máscara gasosa na fuça.
Para meus pacientes de Cirurgia Plástica, que eu percebia estarem muito tensos, eu costumava, na hora da indução, contar um causo pitoresco ou uma estorinha curta, nem que fosse inventada na hora. Mediante essa tática, o paciente geralmente dormia sorrindo.
Há alguns anos, estando ali na Central Cópias, fui abordado por uma senhora que me disse o seguinte: "Oi, Doutor Guaracy, acho que o Senhor se lembra que me operou o nariz em 1982. Na hora de ser anestesiada, o Senhor me falou de uma fórmula a base de folhas de alfavaca, para tomar à noite, que era fantástico para evitar gravidez sem precisar de remédio. Eu dormi e não escutei o final. Minha filha não se dá com pílulas; dá pro Senhor escrever prá mim direitinho a tal fórmula; tenho confiança absoluta no Senhor !"
Dei uma respirada e peguei um papel do bolso, onde anotei o nome completo dela e o telefone. Respondi prá ela com firmeza: "Vou procurar sua ficha em meu arquivo prá ver quem foi seu anestesista, porque eu não me lembro mais dos detalhes do método. Os anestesistas costumam prestar a atenção e guardam na memória tudo aquilo que eu falava quando estava operando. Daqui uns três dias eu lhe darei um retorno com a resposta. Enquanto isto, diga prá sua filha me telefonar; vou indicar um ginecologista que faz um cortinho no braço dela e implanta um trequinho a base de hormônios, que ela pode ficar três anos sem tomar pílula!…"