“Todo homem pode ser, se propuser, escultor de seu próprio cérebro”.
Santiago Ramón Y Cajal, filósofo espanhol [1852-1934]
Foi inaugurado no último dia 31 de janeiro em Santa Lúcia, pelo Prefeito Antonio Sérgio Trentim, a Unidade Básica de Saúde “Dr. Geraldo Cassoni”. O ato contou com a presença de autoridades representativas do Estado como o governador Geraldo Alckmin, o secretário da Saúde Dr. Luiz Roberto Barradas Barata e representantes do Poder Legislativo municipal, estadual e federal.
A obra construída totalmente com orçamento municipal, localizada no bairro “Jardim Nova Santa Lúcia”, possui 300 metros quadrados de construção, com atendimento médico e odontológico de primeira qualidade, oferecendo no momento cinco especialidades médicas nas áreas de clínica geral, ginecologia, cardiologia, pediatria e dermatologia e podendo, futuramente, oferecer novos atendimentos médicos, colocando Santa Lúcia em destaque junto à Organização Mundial de Saúde e servindo de exemplo.
A Unidade oferece atendimento médico 24 horas, sem filas e com agendamento de consultas com total respeito humano ao doente e seus familiares. Embora o prefeito não pertença à área da saúde, colocou esta obra em destaque, considerando-a, “a menina dos olhos”, da sua atual administração conforme, orgulhosamente, se refere à mesma, pois este é o seu segundo mandato de prefeito, e parte agora para a reeleição.
Por que “Dr. Geraldo Cassoni”?
Foi o filho mais velho de uma série de dez, originários de pais italianos, cremonenses, que para aqui vieram em 1880. Nasceu em 5 de dezembro de 1905, na fazenda Santa Elisa, distrito de Dobrada, município de Matão, comarca de Araraquara. Em 1916 os pais deixam-no em Dobrada, morando com os avós maternos para fazer o curso primário. Convivendo com os avós italianos, aprende o italiano.
Inteligente, pega gosto pela leitura e faz o curso primário com brilhantismo, iniciando aí o desenvolvimento intelectual que o acompanharia por toda a vida. Suas notas no primário chamam a atenção do dono da fazenda, Joaquim de Meira Botelho, de São Carlos, que resolve patrocinar o seu curso médio, levando-o para São Paulo, no Liceu Salesiano. Tudo sob suas expensas.
No Liceu, destaca-se. Entre 800 alunos, ganha o primeiro lugar em 1922 e como prêmio recebe uma viagem ao Rio de Janeiro, então capital federal, de 8 dias, por ocasião do centenário da independência. Termina o Liceu em 1923 e volta para Araraquara. No dia 2 de fevereiro de 1923 havia sido fundada a “Associação Escola de Pharmácia e Odontologia de Araraquara”, “criada por um grupo de idealistas, cidadãos araraquarenses liderados por Bento de Abreu Sampaio Vidal e outros notáveis da época. Para matricular-se nesta faculdade, Geraldo faz um cursinho de 6 meses com o prof. Luiz Novais. É aprovado e matricula-se no curso de Pharmácia em 1924. Em 1925 a Faculdade tenta o reconhecimento Federal. Para isso vem uma banca examinadora especial do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro para aquilatar a qualidade dos alunos. Dos 96 alunos matriculados só 4 são aprovados. Entre eles, Geraldo. Com Apenas 4 alunos o reconhecimento federal é negado. Em 1926 a Faculdade não funcionou por causa de lutas políticas. Geraldo forma-se em 1928, com mais 10 alunos. No dia 8 de fevereiro de 1928 compra uma farmácia em Santa Ernestina, distrito de Taquaritinga por 35 contos de réis. 20 contos à vista e 15 pagáveis em 2 anos. Empresta 20 contos e adquire a farmácia.
Em junho de 1929 casa-se com Hortência de Abreu e inicia sua nova profissão. Em Taquaritinga elege-se vereador por 3 vezes, sendo duas vezes presidente da câmara. Em 1942 decide fazer medicina, matriculando-se na Faculdade de Medicina “Praia Vermelha” do Rio de Janeiro. Forma-se em 1947. Em 1949 faz um curso de especialização em ginecologia e obstetrícia na Casa Maternal Leonor Mendes de Barros em São Paulo. Em 1950 desfaz-se da farmácia e transfere-se para Rincão, tornando-se médico do Centro de Saúde em 5 de janeiro de 1952. Em 7 de dezembro de 1952 elege-se Vereador, tornando-se presidente da Câmara para o período legislativo. Em 1955 decide fazer o curso de sanitarista na Faculdade de Higiene em São Paulo. Estuda 18 dias para o exame de seleção. Entre 33 candidatos classifica-se em 9º lugar. Naquela época só havia o Curso de Sanitarismo em São Paulo, na USP e na Universidade John Hopkins nos USA. Termina o curso com uma monografia sobre “Abreugrafia”.
Volta em 1956 e inicia o saneamento de Rincão. Nesta época, a cidade era foco endêmico de várias moléstias transmissíveis como febre tifóide, tifo exantemático, febre amarela, malária e hidrofobia. Dr. Geraldo inicia o saneamento da cidade e região. Ganha inimigos com vacinações obrigatórias, rigor contra o esgoto a céu aberto e combate aos cães vadios. Em 1961, atendendo o convite do 1º Prefeito do recém criado município de Santa Lúcia, Jayme Calvo [1/01/1960-31/121963], transfere-se para esta cidade. Este Prefeito precisava não apenas de um médico para o Posto de Saúde, mas de um médico que morasse na cidade, e Dr. Geraldo Cassoni atende esses requisitos. Como não encontrou, no momento, casa residencial disponível, morou 3 meses no próprio Posto de Saúde. Organiza o Centro de Saúde, faz contratos de atendimento médico com as usinas de açúcar da região, monta seu consultório e inicia sua nova vida. Foi o primeiro médico do Centro de Saúde do município de Santa Lúcia e o primeiro médico com residência fixa na cidade. Foi o orador oficial da Prefeitura em várias ocasiões, como na inauguração da Coletoria Estadual em15 de maio de 1963 e na introdução do retrato de Bento de Abreu Sampaio Vidal no Ginásio Estadual em 1964, quando no encerramento do seu discurso afirmou… “É pouco, portanto, aquilo que lhe tributamos agora: retrato, rua e grupo escolar. Esta homenagem tem um cunho de humildade, espontaneidade e sinceridade, atributos de um povo laborioso, honesto e reconhecido”. Em Santa Lúcia faz e deixa amigos.
Em julho de 1970 é convocado pelo Diretor da Regional de Ribeirão Preto para assumir a direção do Distrito Sanitário de São Carlos, pois o mesmo estava vago e precisavam de um médico sanitarista. Dr. Geraldo é transferido e promovido. Durante 10 anos serviu Santa Lúcia e por ela foi servido. Durante 10 anos Santa Lúcia teve um médico sanitarista ali residente, fato este que nem o Serviço Especial de Saúde de Araraquara possuía! Realizou campanhas de vacinação em massa contra a poliomielite no município de Santa Lúcia, tanto na cidade como na zona rural. Dr. Geraldo ficou em São Carlos até 1976 quando aposentou pela compulsória, encerrando uma carreira brilhante, plena de evolução ascensional. Tinha ido longe demais aquele menino pobre, filho de colonos imigrantes e analfabetos!
Dr. Geraldo Cassoni foi um caso raro de integração entre o homem, o profissional e a vocação. Honrou as duas profissões que exerceu na área da saúde: farmacêutico e médico. A saúde pública o apaixonava, talvez pela sua formação social-cristã. Presbiteriano, estudioso, responsável, dedicado, competente e sobretudo dono de uma memória privilegiada! Sempre atendendo a zona rural, atendendo fraturas, moléstias parasitárias, infecciosas, com atendimento ginecológico e obstétrico. Profundo conhecedor de clínica médica. Conhecimento esse obtido em estudos intermitentes da obra clássica de então, a semiologia médica de Vieira Romeiro. Tudo isso numa época difícil, sem a sofisticação tecnológica médica da atualidade! Orgulhava-se de ter feito mais de mil partos sem uma única cesariana! Exerceu liderança em todas as suas atividades. Em 1983 faleceu sua esposa, dona Hortência, companheira certa nas horas incertas, que mais que esposa foi enfermeira sempre à disposição para auxiliá-lo, principalmente em serviços de parto, à noite na zona rural, muitas vezes sem luz elétrica, com o trabalho feito com o farol do carro! Vítima do mal de Parkinson, Dr. Geraldo Cassoni faleceu em 11 de novembro de 1999 com 95 anos, a maioria deles mais dedicados aos outros do que a si próprio ou a sua família!
A Unidade Básica de Saúde de Santa Lúcia
Parabéns ao prefeito Antonio Sérgio Trentim pela idealização, construção, inauguração e a justa homenagem! Parabéns ao povo de Santa Lúcia pelo presente recebido e por tão bem ter sabido escolher seus administradores! A mim, entretanto, paira uma dúvida sobre as intenções do prefeito nas homenagens da inauguração da obra: se homenagear o Dr. Geraldo Cassoni que hoje dá sobrenome à Unidade Básica de Saúde; ou se a esta que orgulhosamente ostenta no frontispício da sua fachada o ilustre nome de meu pai. Não sei quem mais honrou ou quem mais foi honrado!
(*) Prof. aposentado da UNESP de Araraquara.