A crônica do Dr. João Baptista Galhardo, publicada recentemente pelo J.A., foi inserida no verso das 84 réplicas do diploma de "Reconhecimento Público" entregue solenemente ao Colégio Progresso pela Câmara Municipal. Conforme se vê nas bordas do Jornal do Progresso (encartado nesta edição e entregue às famílias de todos os alunos). Foi um jeito afetivo de a direção do colégio homenageado dividir a honraria com todos os que batalham naquele estabelecimento. A festejada crônica, que fará parte de um livro em fase final de impressão, é publicada novamente para brindar os leitores do Jornal de Araraquara.
Muito se escreveu sobre as mãos. Helen Keller, que ficou cega aos dois anos de idade dizia “por vezes coloco suavemente a mão numa pequena árvore e sinto o feliz estremecer de um passarinho que canta” . E por meio do tato, ela conseguia ” detectar o riso, a tristeza e muitas outras emoções óbvias. ” Não sei se vemos melhor com as mãos ou com os olhos: sei apenas que o mundo que vejo com as minhas mãos é vivo, colorido e gratificante” .
As mãos têm a linguagem de comunicação entre os deficientes auditivos. Há a cura pela imposição das mãos. E muitas citações: “conheço como a palma da minha mão…” “Em segunda mão…” “Mão de ferro…” . “À mão direita de Deus Pai…” .
Pedro Bloch escreveu “As Mãos de Eurídice”, jogadora que levou à miséria e à loucura o amante Gumercindo. Existem mãos que sustentam e mãos que abalam. Mãos que abrem e mãos que fecham. Mãos que condenam. Mãos que absolvem. Mãos generosas e mãos cruéis. Mãos que afagam e mãos que agridem. Mãos que ferem e mãos que curam. Mãos queridas e mãos temidas. Mãos que escrevem poesias e outras que caluniam. Mãos que se apertam estreitando amizades e mãos que se empurram. Mãos de Caim que matam. Mãos de Jacó que enganam. Mãos de Judas que recebem dinheiro para trair. Mãos de Simão que carregam a cruz. E mãos de Verônica que enxugaram o rosto de Jesus. Mas seriam as mãos as culpadas pelo bem ou mal que fazem? Não. São elas frutos de (manipulação) um comando central. Bom ou ruim. Depende do coração de cada um.
Ghiaroni indagou: para que servem as mãos? E no monólogo que escreveu sobre elas, diz: “as mãos servem para pedir, prometer, chamar, conceder, ameaçar, suplicar, exigir, acariciar, recusar, interrogar, admirar, confessar, calcular, comandar, injuriar, incitar, teimar, encorajar, acusar, condenar, absolver, perdoar, desprezar, desafiar, aplaudir, reger, benzer, humilhar, reconciliar, exaltar, construir, trabalhar, escrever…
As mãos de Maria Antonieta, ao receber o beijo de Mirabeau, salvaram o trono da França e apagaram a auréola do famoso revolucionário.
Múcio Cévola queimou a mão que, por engano, não matou Porcena. Foi com as mãos que Jesus amparou Madalena. Com as mãos David agitou a funda que matou Golias. As mãos dos Césares romanos decidiam a sorte dos gladiadores vencidos na arena. Pilatos lavou as mãos para limpar a consciência. Com as mãos Judas colocou o laço no pescoço. A mão serve para o herói empunhar a espada e o carrasco, a corda. O operário construir e o burguês destruir. O bom amparar e o justo punir. O amante acariciar e o ladrão roubar. O honesto trabalhar e o viciado jogar.
Com as mãos atira-se um beijo ou uma pedra, uma flor ou uma granada, uma esmola ou uma bomba. Com as mãos o agricultor semeia e o anarquista incendeia. As mãos fazem os salva-vidas e os canhões. Os remédios e os venenos. Os bálsamos e os instrumentos de tortura. A arma que fere e o bisturi que salva. Com as mãos tapamos os olhos para não ver, e com elas protegemos a vista para ver melhor. Os olhos dos cegos são as mãos. As mãos na agulheta do submarino levam o homem para o fundo, como os peixes. No volante da aeronave atiram-nos para as alturas como os pássaros. A mão foi o primeiro prato para o alimento e o primeiro copo para a bebida. A primeira almofada para repousar a cabeça. A primeira arma e a primeira linguagem. Esfregando dois ramos conseguiram as chamas. A mão aberta acariciando, mostra a bondade. Fechada e levantada mostra a força e o poder, empunha a pena e a cruz. Modela os mármores e os bronzes. Dá cor às telas e concretiza os sonhos do pensamento e a fantasia nas formas eternas da beleza. Humilde e poderosa no trabalho cria riqueza. Doce e piedosa nos afetos medica as chagas, conforta os aflitos e protege os fracos. O aperto de duas mãos pode ser a mais sincera confissão de amor, o melhor pacto de amizade ou um juramento de felicidade. O noivo para casar pede a mão de sua amada. Jesus abençoava com as mãos. As mãos protegem os filhos cobrindo-lhes as cabeças inocentes. Nas despedidas, a gente parte, mas a mão fica ainda por muito tempo agitando o lenço no ar. Com as mãos limpamos as lágrimas. Próprias e alheias. E nos dois extremos da vida, quando abrimos os olhos para o mundo e quando fechamos para sempre ainda as mãos prevalecem. Quando nascemos, para nos levar a carícia do primeiro beijo, são as mãos maternas que nos seguram. No fim da vida, quando os olhos fecham, o coração pára, o corpo gela e os sentidos desaparecem, são as mãos, ainda brancas de cera que continuam na morte as funções da vida.
As mãos de amigos nos conduzem…
E as mãos dos coveiros nos enterram”. (Texto: João B. Galhardo)