Rosa Godoy (*)
A violência contra as mulheres é uma mancha negra que envergonha toda a humanidade. É um fenômeno tão extenso que, mulheres dos 15 aos 44 anos são mais susceptíveis de serem afetadas ou mortas como conseqüência de violência masculina que em conseqüência de cancro, malária, guerra ou acidentes de aviação. As Nações Unidas referem que anualmente 200 milhões de mulheres desapareceram no mundo: mulheres que deveriam ter nascido ou crescido, mas que foram mortas por infanticídio ou aborto seletivo. A África do Sul registra a maior incidência de violação no mundo. Uma mulher é violada em cada 20 segundos e só uma em 35 apresenta queixa na polícia. No Brasil, a cada 15 segundos uma mulher é espancada e a cada 12 segundos uma é vítima de ameaça. No entanto, menos de 2% dos casos são denunciados. Em geral, tais casos são julgados nos Juizados Especiais Criminais, com base na Lei 9099, de crimes de pequeno potencial ofensivo. “Já houve casos onde o marido quebrou os dentes da mulher e teve como punição o pagamento de uma cesta básica”, afirma a advogada e integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Sônia Rabello. O Relatório Nacional Brasileiro, considerado o primeiro levantamento sobre a situação da mulher brasileira, mostra que, muitas vezes, o réu paga uma ínfima pena de multa – como cestas básicas ou bouquet de flores – como punição ao seu delito.
Violência, em seu significado mais freqüente quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo espancada, lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano. Assim, a violência pode ser compreendida como uma forma de restringir a liberdade de outra pessoa ou de um grupo de pessoas, reprimindo e ofendendo física ou moralmente.
A chamada “violência de gênero” refere-se principalmente à violência contra as mulheres e deve ser entendida como a subordinação da mulher ao homem, contra a sua vontade. Ela é explicada pelo fato de, ao longo da história, as mulheres ocuparem um lugar social de subordinação, induzindo relações violentas entre os sexos, fruto do processo de socialização. A natureza não é a responsável pelos padrões e limites sociais que determinam comportamentos agressivos aos homens e dóceis e submissos às mulheres. Os costumes, a educação e os meios de comunicação criam e preservar estereótipos que reforçam a idéia de que o sexo masculino tem o poder de controlar os desejos, as opiniões e a liberdade de ir e vir das mulheres.
A violência contra as mulheres toma formas diferentes segundo as sociedades, as culturas, mas é um fato transversal a todas as classes sociais, culturas, religiões, situações geopolíticas. Não há exceção e a regra se confirma todos os dias. Há milênios, a cada minuto, as mulheres são abusadas, humilhadas, agredidas, violadas, espancadas, exploradas, mortas, na maioria das vezes por homens próximos a ela.
Há diferentes tipos de violência contra as mulheres. No que se refere ao espaço onde ocorre, ela se exprime como:
1.Violência doméstica ou intrafamiliar – ocorre no espaço familiar. Em geral, é praticada por homens contra mulheres adultas ou crianças. Pode ser física, sexual ou psicológica e é resultante da ideologia que admite o homem como proprietário e senhor das mulheres da família. Cerca de 50 pesquisas mundiais mostram que de 10 a 50% das mulheres relatam terem sido maltratadas por seus fisicamente por seus parceiros íntimos, em algum momento da sua vida.
2.Violência conjugal – ocorre entre casais e se manifesta tanto no espaço doméstico como fora dele. Pode ocorrer entre casais ou ex-casais, ex-cônjuges ou ex-conviventes, como por exemplo, crimes praticados por homens que se recusam a aceitar a separação.
3.Violência institucional ocorre nas instituições sociais, resultante da desvalorização das mulheres e suas demandas, por um complicado processo de culpabilização. Nos serviços de saúde, são comuns os maus tratos às mulheres, em especial, quando demandam assistência por agravos não aceitos socialmente como abortos, por exemplo.
4.Violência estrutural ou social – acomete as mulheres coletivamente. No Brasil, as mulheres representam 44% da População Economicamente Ativa, mas recebem remuneração 41,3% menor que a dos homens. Na política, em 2001, as mulheres representavam apenas 5,7% dos prefeitos eleitos e 11,61% dos vereadores. No Congresso Nacional, a bancada feminina era composta por apenas 5 senadoras e 34 deputadas federais. No Supremo Tribunal Federal (STF) só neste ano, pela primeira vez, uma mulher passou a ocupar uma vaga de ministra (dados do DIEESE, 2001).
5.Um outro tipo de violência estrutural pode ser a própria pobreza e a maneira como ela acomete diferentemente homens e mulheres. A partir dos anos 90, a pobreza vista no contexto das relações de gênero passou a conformar uma nova análise das experiências de vida das mulheres, que constituem um grupo crescente entre os pobres das sociedades latinoamericanas. As análises qualitativas constataram que as relações de gênero exacerbam as desigualdades associadas às classes sociais e fizeram emergir situações como a distribuição desigual de alimentos no interior das famílias, a desvalorização do corpo feminino e a sobrecarga de trabalho que incide sobre as mulheres. A precariedade da situação social das mulheres passou a ser vista como resultante da divisão sexual do trabalho, de menores oportunidades em termos de educação, de situações de trabalho instáveis e com menor remuneração, de níveis inferiores de saúde e bem-estar, de reduzida participação nas decisões (tanto no âmbito privado como no público, mas especialmente, neste) e de limitada autonomia pessoal.
6.Violência cultural aí encontram-se os abusos às mulheres praticados às custas de costumes culturais como a infibulação clitoridiana ou circuncisão feminina dos muçulmanos. Pode ser também resultante da discriminação das mulheres, impingindo-lhes um papel social inferior aos dos homens – por exemplo – impedimentos ou proibições pelo simples fato de serem mulheres. No Islã, as mulheres são proibidas de entrar nos templos ou mesmo de aparecer em público ou preparar as refeições quando menstruadas. Famosas também são as vestes femininas que escondem muitas vezes todo o corpo – as burqas usadas pelas afegãs. Em muitas culturas, os maridos têm poder de vida e morte sobre suas esposas. Na Índia, por exemplo, um marido relatou: “Se a transgressão for muito séria, justifica-se o espancamento da esposa pelo marido. E por que não? As vacas aprendem a ser obedientes apanhando”
Quanto à forma, o mais comum é a violência combinada. A violência física em relacionamentos íntimos quase sempre é acompanhada de abuso psicológico, sendo que de um terço à metade dos casos envolvem abuso sexual. Um estudo no Japão mostrou que das 613 mulheres maltratadas, 57% tinham sofrido os três tipos de abuso. Na Nicarágua, de 188 mulheres que haviam sofrido maltratos físicos, somente 5 não tinham sofrido abuso sexual, psicológico ou ambos. São várias as formas de violência:
1.Violência física – pode expressar-se através de espancamentos, agressões, mortes.
2.Violência sexual – é o estupro cometido dentro ou fora de casa. São atos de força em que o opressor obriga a vítima a manter práticas sexuais empregando a manipulação, o uso da força física, ameaças, chantagens e suborno.
3.Abuso sexual é a imposição de desejo sexual de um adulto a uma criança ou adolescente para satisfação única e exclusiva de si próprio, usando o outro como objeto.
4.Violência psicológica – é o abuso mais difícil de ser identificado pois não deixa marcas visíveis e evidentes no corpo. É geralmente camuflado pela sutileza das relações intra-familiares ou afetivas e manifesta-se através de coerções, diminuição da auto-estima, ridicularização, desvalorização, desqualificação da vítima pelo agressor. É muito mais comum do que parece e a ele estão submetidas mulheres que nem se imagina quem sejam, inclusive as mais improváveis. Em nome do afeto, muitas vezes, se cometem os abusos mais perversos. É mole ou quer mais???
(*) É enfermeira e colaboradora do JA.