Violência contra as mulheres prá lá e prá cá de Bagdá

Rosa Godoy (*)

Reportagem desta semana da Folha de São Paulo relata que “além da onipresença de Saddam Hussein em forma de estátuas, imagens e murais e da falta de manutenção dos prédios principais, uma característica das ruas de Bagdá chamava a atenção dos 180 jornalistas estrangeiros na cidade durante a Guerra do Iraque: a total ausência de mulheres.

Não havia representantes do sexo feminino à vista, e não era culpa do fundamentalismo dos xiitas, pois estes dominavam as cidades mais ao sul do país; na capital, quem mandava eram os sunitas, como o próprio Saddam, mais liberais em relação às mulheres. Quem matou a charada foi um dos guias da Folha durante a cobertura do conflito, Alah Jarboo: 'Nossas mulheres não saem às ruas porque têm medo de Uday’. Não era exagero. (…) quando a população passou a falar abertamente sobre Saddam e sua família, as iraquianas aprendiam desde cedo que deveriam temer o primogênito dos Hussein. Isto porque o dito cujo cultivava diversas manias em relação às mulheres. Eram famosas suas “saídas de carro pelo bairro Al Mansur à procura de garotas bonitas, que eram sequestradas por seus guarda-costas, levadas para um de seus palácios e estupradas – na maioria das vezes, um dos seguranças gravava tudo em vídeo, depois mostrado aos amigos de Uday em festinhas privadas”. Inimigo de Qusay, o irmão mais novo e mais bem-sucedido, nos últimos anos do regime, “Uday desenvolveu o hábito de mandar raptar as ex-namoradas de Qusay. Estuprava-as e as marcava, tatuando a letra U, de seu nome, em suas nádegas”.

O mais triste disto tudo é que longe de ser um problema freqüente no outro lado do mundo, no Brasil, pesquisa da Fundação Perseu Abramo revela que a cada 15 segundos uma mulher é espancada e a cada 12 segundos uma é vítima de ameaça. No entanto, menos de 2% dos casos são denunciados. Em geral, tais casos são julgados nos Juizados Especiais Criminais, com base na Lei 9099, de crimes de pequeno potencial ofensivo. “Já houve casos onde o marido quebrou os dentes da mulher e teve como punição o pagamento de uma cesta básica”, afirma a advogada e integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Sônia Rabello. O Relatório Nacional Brasileiro, considerado o primeiro levantamento sobre a situação da mulher brasileira, mostra que, muitas vezes, o réu paga uma ínfima pena de multa – como cestas básicas ou bouquet de flores – como punição ao seu delito.

Para Maria Amélia Teles, da União Brasileira de Mulheres, “violência, em seu significado mais freqüente quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo espancada, lesionada ou morta. Um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano. A violência pode ser compreendida como uma forma de restringir a liberdade de outra pessoa ou de um grupo de pessoas, reprimindo e ofendendo física ou moralmente.” A chamada “violência de gênero” refere-se principalmente à violência contra as mulheres e deve ser entendida como a subordinação da mulher ao homem, contra a sua vontade. Ela é explicada pelo fato de, ao longo da história, as mulheres ocuparem um lugar social de subordinação, induzindo relações violentas entre os sexos, fruto do processo de socialização. Amélia conclui: “Não é a natureza a responsável pelos padrões e limites sociais que determinam comportamentos agressivos aos homens e dóceis e submissos às mulheres. Os costumes, a educação e os meios de comunicação tratam de criar e preservar estereótipos que reforçam a idéia de que o sexo masculino tem o poder de controlar os desejos, as opiniões e a liberdade de ir e vir das mulheres”.

Para o CNDM (Conselho Nacional dos Direitos da Mulher), a violência de gênero é “resultado das motivações que hegemonicamente levam sujeitos a interagirem em contextos marcados pela violência”, como a guerra ou mesmo em casa, no caso da violência doméstica.

A realidade da violência contra as mulheres toma formas diferentes segundo as sociedades. No entanto, é um fenômeno que se acha de forma transversal em todas as classes sociais, culturas, religiões e situações geopolíticas. Não há nenhuma exceção e a regra infelizmente se confirma todos os dias. A cada minuto e nos espaços mais inusitados, mulheres são abusadas, humilhadas, agredidas, violadas, espancadas, exploradas ou mortas por homens e isto, há milênios.

O relato comovente de uma mãe acerca da prisão de sua filha (drogadita) revela que mesmo entre os que deveriam fazer cumprir a lei predomina a lógica da violência de gênero: Mariana, de 23 anos, garota bonita de classe média alta, universitária, foi presa porque portava alguns pacotinhos de maconha e cocaína que seriam consumidos numa festa com amigos. De nada adiantaram os apelos da mãe acerca do problema de drogadição da filha, tomada como traficante. A moça permaneceu reclusa durante uma semana e foi repetidamente seviciada e espancada por policiais e carcereiros. Para libertá-la, a mãe (viúva) gastou perto de 30 mil reais entre advogados e “outras despesas”. Como se vê, entre o cumprimento estrito da lei (a justa punição da garota pelo crime cometido) e o que ocorre de verdade no cotidiano das mulheres, o abismo é enorme. Até quando teremos que agüentar os Uday da vida?

(*) É enfermeira e colaboradora do JA.

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