Vera Botta (*)
O conto do paletó
Bons tempos aqueles que faziam do paletó expressão de honradez, de um pacto consentido com a moralidade. Elemento simbólico significativo, o paletó parecia definir o comportamento e a identidade dos que o usavam. E com que orgulho nossos jovens exibiam o primeiro paletó!!! Quase um rito de passagem para o mundo dos adultos e da decantada maturidade. Socialmente dignificado e objeto de um sentimento individual de orgulho pessoal.
Chegava-se a passar o paletó de pai para filho, como parte de um código de honra que se queria ver perpetuado. Presença obrigatória nos momentos significativos da vida, paletó e código de honra pareciam, caminhar lado a lado, sem afrontas nem ofensas.
O paletó perdeu seu lugar ou o código de honra mudou?
Manchetes do presente falam em polêmicas provocadas pelo auxílio-paletó. Estamos falando do mesmo bem símbolo de honradez? Ou será que quando o paletó ganha o adjetivo auxílio passa a entrar nos labirintos insondáveis do poder? Ou será que a honra nos dias de hoje reduziu-se a uma questão de poder? Trocando em miúdos, o que afinal existe por trás desse tal de auxílio-paletó? Um subsídio para o cumprimento de obrigações parlamentares, dizem alguns deputados e vereadores. Obrigações parlamentares reduzem-se a uma vestimenta?
O paletó virou moeda de troca nos códigos de honra. Calculado sob a base de um salário por ano, garantido regimentalmente, o paletó passou a ser computado no rol das despesas tidas como indispensáveis para o exercício do trabalho parlamentar!!! Durma-se com um barulho desses…Em Ribeirão Preto, pertinho de nossa Morada, o auxílio-paletó aprovado recentemente garantiu a cada um dos vereadores cerca de R$ 7.000,00 anuais. Tudo legal, de acordo com decisões do Supremo Tribunal de Justiça!!! E o legal é o justo???
O auxílio-paletó no jogo do poder
Em um ano de cortes e cortes, em que as prefeituras afirmam a impossibilidade de reajustes salariais e, até mesmo, de recomposição, no salário, dos índices inflacionários, votar o auxílio-paletó significa um ato de violência! De afronta à população!!! Um triste espetáculo de que, no sistema estatutário, decide-se o jogo, independentemente da realidade, das possibilidades do país, da miserabilidade dos que estão à margem à vida! Programa Fome Zero e Auxílio-Paletó estão em rota de colisão!!! O que esperar de poderes que chegam a justificar o auxílio-paletó como parte de despesas com a base? Por que não votaram o auxílio-alimentação, o auxílio-remédio, o auxílio-bolsas de estudos para quem quer e não pode estudar? Decididamente, o auxílio-paletó fere todos os limites toleráveis da moralidade!
História triste de inversão de valores! Aplausos para a Câmara de Araraquara que nem cogitou em votar o auxílio-paletó mas, pelo contrário, começa um movimento para desobrigar os vereadores a usar o paletó nas sessões da nossa Casa de Leis!!! Talvez para resguardar a honradez que acabou se perdendo neste lamentável episódio do auxílio-paletó!!! Que acabou perdendo a dignidade e se convertendo em um imoral atestado de má fé!!! Ou como dizem as “boas línguas”, o auxílio-paletó acabou se transformando no mais “institucionalizado” dos anabolizantes dos vencimentos de parlamentares!
Neste vespeiro, tem muito mais…
A atitude de muitos políticos está virando caso de polícia! Diversas Câmaras Municipais estão se mobilizando para conseguir, a qualquer modo, o benefício de aumentar seus salários. Passando literalmente por cima da constituição e do que dizem as leis orgânicas dos municípios!!! Triste contexto! Quantos projetos de interesse da população acabam engavetados com o carimbo de inconstitucional!! E o que os deputados votaram como “ajuda de custo” é constitucional? Quantas manobras!! E a hipocrisia dos subterfúgios usados para aumentar os salários dos deputados? Verbas de gabinete dobradas…Nem se discute transparentemente o que seria um salário digno!!!
E a nossa Casa de Leis?
Em Ribeirão Preto, aumentou-se os salários em 58% presumindo-se um aumento populacional, em uma atitude reprovável e imoral. Enquanto isso, a Câmara de Araraquara mantém bom senso e cautela. Cabe aos vereadores atuais fixar os vencimentos para a próxima Câmara! Questão fechada: nada de reajuste. O que se pode reivindicar? Somente correção inflacionária! Nossa Câmara é uma das mais enxutas do Estado. Basta lembrar que não chegamos, em 2002, a gastar 2% dos 6% do orçamento municipal que nos são garantidos constitucionalmente. Por mais que existam vozes discordantes, não se pode acusar nossa Câmara de qualquer afronta moral à la conto do paletó!!!
Temos sido, neste jogo dissimulado de trocas e de deterioração dos códigos de moralidade, uma honrosa exceção!!! Enquanto os cães ladram, a Câmara de Araraquara segue sua luta para melhor qualificar o trabalho legislativo! A população deve ficar de olho!!!
Fico por aqui. Com meus protestos a esta guerra indigna que semeia desesperança e desamor. Com um apelo a juntarmos esforços pela paz. E que tal começarmos um grande movimento contra o auxílio-paletó? Política e moralidade podem andar juntas. Boa semana a todos. Até a próxima!