Vera Botta (*)
As cores e as dores de uma cidade saudável
Araraquara, nossa velha e querida senhora com alma de menina e moça tem, sem dúvida, excelentes indicadores de qualidade de vida. Cidade iluminada pelos raios do sol que a escolheu por morada nos oferece, no verde de algumas praças, no tratamento da água e do esgoto, nos baixos índices de mortalidade infantil, nos bens sucedidos CER’s, razões de sobra para deixar seus filhos orgulhosos de suas raízes. História que por muitas portas de entrada nos dá lições de vida. E, ao mesmo tempo, nos impõe responsabilidades, nos lança desafios, nos cobra posições enquanto araraquarenses.
Confesso que ainda não me convenci dos “benefícios” da modernização imposta à Praça de Santa Cruz. Tenho saudades do lugar prazeroso onde passei minha infância, brincando, vendo as árvores crescerem, sentindo a brisa gostosa de sua fonte luminosa.
Tenho certeza de que a destruição da velha seringueira da Praça, companheira solidária de nossos folguedos ainda faz muitos araraquarenses sentirem um aperto no peito. Semelhante à sensação de perda face à retirada das seringueiras da praça da rua 8, dos ipês da praça Pedro de Toledo, dos inconformados flamboiãs da Rua da Saudade.
E que ninguém se atreva a mexer na nossa Rua 5 – lugar proibido e sedutor na década de 50 – cujas árvores parecem continuadamente, na beleza e na magia de seus galhos, nos convidar a remover pedras e semear flores para deixar nossa cidade saudável mais cidadã.
Os caminhos se abrem e se fecham
Às cores se mesclam sinais de preocupação, sintomas de dores que se agudizam em alguns casos, em especial. Lugar de criança é na escola, mas quantos vagas estão faltando nas creches? Muitas e muitas, mais de 700. Mas, cria-se um círculo vicioso perverso. Mães buscam vagas para poder lutar por um bom emprego. Na hipótese de haver vagas, seus filhos só serão aceitos mediante comprovação de trabalho. Como romper esta roda viva de carências?
Por que temos em nossa Morada da Cidadania tantas crianças em situação de risco? Como enfrentar o fato de adolescentes grávidas chegar à casa de 27%, ultrapassando dados nacionais? Como permitir que o trabalho do PAISA – Programa de Atendimento Integral à Saúde do Adolescente – experiência privilegiada a irradiar que prevenção deve ser o carro chefe dos programas dirigidos à proteção, à vida, à saúde, à felicidade, seja, de fato e de direito, a referência para ações educativas? Como permitir que nossos jovens entrem no mercado de trabalho, se o mesmo lhes fecha as portas por falta de experiência? Como por em ação, para valer, o Programa do Primeiro Emprego, sem esquecer dos homens e mulheres que, com mais de 40 anos, têm inúmeras barreiras para encontrar um lugar ao sol, para trabalhar e ganhar dignamente a vida. (Re)começar, muitas vezes.
Nossa querida cidade saudável diz em alto e bom tom que tem índices de mortalidade infantil comparáveis aos do Primeiro Mundo. Entretanto, quer ir além. Gostaria de que no seu dia fossem anunciados programas que vêm há tempo entrando e saindo de cena.
Penso especificamente na implantação de políticas que enfrentem a violência sofrida por mulheres e na urgência de criação de uma Casa Abrigo à Mulher Vítima de Violência, lei aprovada há mais de 2 anos…Tenho certeza de que Araraquara não quer sua população carente pedindo esmolas ou se prestando a uma cultura da dádiva para receber cestas básicas. Quer dar suporte aos projetos de inclusão propostos pela Secretaria de Assistência Social. Quer centros de ressocialização para os presidiários. Quer o Programa de Renda Mínima, se possível aperfeiçoado, para ontem. Quer o Itinerário da Cidadania urgente! Afinal, lei é ou não para valer???
Não gostaria de retomar, no próximo aniversário, clamores ou lamentos por não serem enfrentadas – e viva a medicina preventiva – suas dores.
Quer a cultura viva, livre das amarras de impasses que podem levá-la à paralisia. Além dos espetáculos, na rota da cidadania.
Quer os seus filhos servidores municipais, parte da sua, da nossa história, respeitados em seus direitos. Com clareza de suas prioridades no Plano de Cargos, Salários e Carreira. Com perspectiva de avanços e conquistas nas negociações coletivas. Vocês já pensaram em como o trabalho dos servidores é vital para manter nossa cidade saudável? A identidade de nossa Araraquara passa pela valorização da categoria dos servidores municipais.
Feito o balanço das suas cores e dores, nossa Velha Senhora se pôs bonita e radiosa para ir à Seresta a Caminho do Sol. Entre desfiles e festas, encantos e desencantos, vislumbra no horizonte, com lucidez e esperança, a perspectiva de ser uma cidade ainda mais saudável para levar seus filhos a serem cada vez mais felizes.
Boa semana a todos! Que tenhamos nos 185 anos de Araraquara, muita luz e coragem para seguir adiante. Um abraço carinhoso. Até a próxima!
(*) É coordenadora do Mestrado da Uniara e colaboradora do JA.