Vera Botta (*)
Minha homenagem ao tio Vicente, um homem bom
A manhã de 13 começou triste. Recebemos a notícia de que tio Vicente, o querido Vicente Botta havia falecido, dormindo, talvez para não incomodar ninguém. Cenas e momentos fortes de toda minha vida voltaram, como se não existissem fronteiras entre o passado/presente. Das brincadeiras e do seu incrível sendo de humor à influência significativa que teve no meu reencontro com a política. Lembranças de meu pai, de minha mãe, de minha infância …Necessidade de parar para pensar…E pensar como diz Lya Luft, “não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno e, quem sabe, finalmente respirar” (Pensar &Transgredir).
Tio Vicente e a minha cerimônia de iniciação
A política esteve, sob diferentes entradas, presente em minha vida. Na infância, em virtude do movimento que existiu em minha família, por conta da candidatura do tio Vicente, irmão número 6 de meu pai, que bateu todos os recordes em termos de número de mandatos de deputado estadual. O sempre deputado, detentor de uma cadeira cativa na Assembléia Legislativa. Éramos convocadas, as crianças da família para contabilizar os votos do meu tio. Íamos para São Carlos, Suely e eu, imbuídas da maior responsabilidade para bem cumprir a tarefa. Estávamos muito distantes da computação, apuração eletrônica e das informatizações da vida. Recebíamos telefonemas dos amigos ou ouvíamos, pelo rádio, os votos pingados de todo Estado, número que passávamos a nossa contabilidade, com o maior rigor, supervisionadas pelo meu pai. Sentíamo-nos importantes…talvez os primeiros alertas dos desafios da construção da democracia.
A alegria da eleição era saboreada
Parece ser uma vitória de todos. Meu pai, que sempre teve um carinho especial pelo tio Vicente tinha um mapa das sessões eleitorais de Araraquara. A partir dos contactos e dos votos confiáveis, sabia quase que em número exato, quantos votos meu tio teria em Araraquara e em quais urnas eles deveriam estar. Não havia espaço para voto secreto!!! Qualquer falha na contabilidade era atribuída a uma imperdoável traição!!! Não existia caixa 2… As campanhas eram feitas literalmente com apoio familiar. Divisão de responsabilidades e junção de pequenas economias. Com meu tio, aprendi que é possível se fazer política honestamente. Lições inesquecíveis de vida.
Os tempos mudaram
Tivemos divergências, meu tio e eu sobre opções ideológicas. Sem prejuízo do afeto e do respeito mútuo que sempre tivemos um pelo outro. E nas alfinetadas carinhosas…”menina, este seu partido é radical demais, tome jeito”… ou quando eu o contestava… Outro partido tio??? De novo!!! E ele literalmente esteve em muitos partidos, embora conservasse um carinho especial pelo PTB… Outros tempos…Intrigava-me a fila que se formava em sua casa nos finais de semana…E ele me explicava…”a gente tem que saber ouvir e respeitar o povo”…Não se falava em participação popular. Não havia horário político gratuito obrigatório. Nas campanhas, o carisma contava muito. Havia, sim, traços de uma política de favores, mas não se compravam idéias, nem adesões…E meu tio foi muito importante em decisões por mim tomadas na política… Até quando praticamente escolhi perder as eleições para Câmara por não querer receber dinheiro de caixas 2, que pipocavam aqui e acolá…
Lições que permanecem comigo
Tempos que não permaneceram nas sombras em minha vida. Por estas e outras tantas razões, quero homenagear meu tio Vicente. Aprendi, com ele, muito bem que o prato das inevitáveis perdas pode pesar menos do que o dos possíveis ganhos. À Maria Amélia, Waldir, Waldimir, filhos, noras, genro, sobrinhos, às tias Carmelita, Mercedes, Maria, os sentimentos do fundo do coração. A família Botta está de luto, mas, com certeza, a morte do tio Vicente nos faz valorizar sua vida e as lições que nos deixou!!!
O lugar dos sonhos e dos votos de bonança
Mais uma vez, recorro à Lya Luft: ” Viver, como talvez morrer, é recriar-se, a vida não está apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Muitas vezes, ousada. Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para qual ela valha a pena, é preciso ser amado, amar e amar-se. Ter esperança, qualquer esperança. Questionar o que nós é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiada sensatez. Saborear o bom, mas, aqui e ali, enfrentar o ruim. Sonhar, porque se desistirmos disso, apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar, seja lá no que for. E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que afinal se conseguiu fazer”…
Aos leitores do JA, a todos os araraquarenses de nascimento ou de adoção, meus votos de um Natal iluminado pela paz, por alegria e por muitos sonhos. Que 2007 nos reserve 365 dias de lutas e de esperança. Até o próximo ano!!! Um abraço solidário a todos!!!
(*) e-mail: vbotta@techs.com.br