Vera Botta (*)
Dez anos depois: a vergonhosa impunidade
O passado se faz presente. Em 17 de abril de 1996, Eldorado dos Carajás, no Sul do Pará ficou conhecido em quase todo o mundo, de uma forma vergonhosa e absurda. Dezenove sem terras foram mortos, covardemente, pela Policia Militar. Os trabalhadores estavam acampados, em protesto, contra a demora da desapropriação de terras, principalmente as da Fazenda Macaxeira. A Policia Militar foi encarregada de tirá-los do local, pois estavam obstruindo a rodovia, "autorizada a usar a força necessária, inclusive atirar". Sem nenhum aviso, como se estivessem cumprindo a rotina de um dever, os policiais chegaram lançando gás lacrimogêneo. Os sem-terra revidaram com paus e pedras. Os policiais atiraram para matar.
E um a um foram mortos
Altamiro Ricardo da Silva recebeu dois tiros na cabeça e um na perna. Antônio Costa Dias, um tiro no tórax. Raimundo Lopes Pereira foi vitimado com três tiros: dois na cabeça e um no peito. Leonardo Batista de Almeida foi atingido por uma bala na testa. Graciano Olimpio de Souza, dois tiros, sendo um na nuca e outro no peito. A necropsia no corpo de José Ribamar Alves de Souza mostrou que ele recebeu dois tiros e um deles, na cabeça, foi à queima-roupa. Ao atirarem em Manoel Gomes de Souza, os autores queriam matar o rapaz. A prova são os três tiros disparados que atingiram a testa e o abdômen, regiões altamente letais. Lourival da Costa Santana foi atingido no coração. Antônio Alves da Cruz levou um tiro no peito e teve ferimentos com arma branca. O laudo apontou como causa morte uma hemorragia interna e externa com explosão do coração e do pulmão esquerdo por instrumento contundente. Abílio Alves Rabelo morreu com três tiros, dois no pescoço e um na coxa direita. João Carneiro da Silva teve morte por esmagamento do crânio, indicando ter sido ele vitima de extrema violência e crueldade. Ao prestar depoimento, Luiz Wanderley Ribeiro da Silva revelou que viu um policial militar atacar João Carneiro com um pau, que foi introduzido na cabeça da vitima, partindo-a e expondo os seus miolos. E a chacina continuou, com tiros esquartejando corpos, massacrando vidas…
A indignação diante da injustiça
Os corpos 1, 2, 3….10,15…19 foram empilhados no necrotério sob números, sem identificação, como se não tivessem uma história individual e social. Os trabalhadores sem terra negociavam a liberação de estrada para ter direito a transporte, a alimentos, a uma reunião com o Incra. Formam impedidos covardemente de lutar pelo direito à vida, carnificina atribuída pelo então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso ao conflito do Brasil arcaico com o moderno. A par dessa infeliz reflexão – expressão de uma trágica farsa – permito-me dizer que no passado e no presente, os trabalhadores são lembrados nos palanques em dias de festa – e o 1º de maio vem ai – e massacrados no dia a dia, entre incertezas, punições, prêmios de produtividade e o terrível medo do desemprego, realidade cada vez mais assustadora.
Tempo de reflexão
Neste feriado, em que o passado de lutas se esconde, por trás de mitos e falsos heróis da Inconfidência Mineira, é um bom momento para reflexão. Por que crimes bárbaros como o massacre de Eldorado dos Carajás continuam impunes??? Os 155 policiais militares que participaram da operação foram indiciados sob acusação de homicídio pelo inquérito policial militar. Sob o argumento de imperfeições técnicas, o inquérito foi reconstituído, desdobrado e continua sua lenta tramitação em Tribunais…um processo sem fim. Os acusados foram condenados, mas recorreram e aguardam a decisão final da Justiça em liberdade..Dez anos depois, militantes do movimento dos trabalhadores rurais sem terra promovem bloqueios de estradas, ocupações das fazendas, marchas e passeatas em vários Estados para cobrar a punição dos responsáveis pelo massacre de Eldorado dos Carajás…Desta vez, quem vai atirar a primeira pedra???
Quem é responsável pela impunidade que reina???
Que papel tem o Judiciário, os poderes na apuração dos crimes e injustiças??? Fernando Henrique responsabilizou o Brasil arcaico pela ação criminosa contra os trabalhadores sem terra. Lula, no balanço recente de ações do governo na área indígena, citou o aumento de 40% no número de vagas para índios nas escolas, investimentos de milhões em obras de saneamento básico em aldeias. Ainda mais, lembrou que 19 mil famílias indígenas receberam a Bolsa – Família. A Coluna: pergunta isso garante, de fato, cidadania à comunidade indígena que já sofreu tantos massacres??? Lula, ao dizer que para o governo, todo dia é dia de índio estava, de fato, valorizando a história de lutas dos nossos bravos guerreiros ou estava, através desta frase pronta, escamoteando as dificuldades enfrentadas pelos indígenas na demarcação de suas terras, na luta pela sobrevivência…Basta de bons tempos anunciados em palanques. Está mais do que na hora de transformarmos 21 de abril, 1º de maio em marcos verdadeiros de construção da cidadania!!! Chega de lamentáveis farsas!!!
A Coluna fica por aqui. Desejando aos leitores muita paz interior e muita reflexão "Para que a resignação ou ressentimentos, acompanhados pela ignorância, não nos paralisem com seu hálito funesto" (Lya Luft). Boa semana. Até a próxima!!!
(*) Pesquisadora da Uniara e colaboradora do JA.