Um Relicário

Reginaldo Galli (*)

Juro que o encontrei por mero acaso. Estava revirando as entranhas de umas caixas empoeiradas, repletas dessas velharias inúteis que colecionamos por preguiça (…depois eu jogo fora ou dou pra alguém…), quando bati os olhos num caderninho de capa preta. Ao abri-lo, tive sensação semelhante à dos arqueólogos que topam com preciosidades soterradas há milênios. Com uma considerável diferença : eu não estava em busca de nada, nadinha que pudesse documentar a história da minha, da sua, da nossa hu ma ni da de. Repito-me para eu próprio acreditar : foi mero acaso.

Logo na primeira página, letrinhas redondas traçadas com pena e tinta, um pensamento subscrito por Gabriela Mistral :

“Por maior e mais bella que tenha sido a paisagem conhecida,

Quando queremos revê-la, quando ahi queremos voltar,

Faltará sempre e sempre alguém ou alguma coisa.”

Ah! querida mestra Dona Dalila, que falta a senhora me fez agora…

Trêmulo de emoção, começo cuidadosamente a folhear o caderninho, papel amarelecido, palavras quase apagadas :

PONTUAÇÃO

Júlio Tenton

“Quando o homem vê, pela primeira vez,

A deusa que lhe fala ao coração,

Sente que n alma em fogo o amor lhe fez

Um luminoso ponto : EXCLAMAÇÃO.

Começa a amar. Revolve-se na cama,

Ergue castellos na imaginação.

E pergunta : será que ella me ama ?

Nevoento ponto de INTERROGAÇÃO.

Mas, se obtém olhares enluarados

Da sonhada mulher que o faz doente,

Começa a vida azul dos namorados,

Só meiguices e VÍRGULAS à frente…

Arrufos hão de vir e nesse dia

O amor dirá : — pra que ficar de mal ?

O que lhes falta é um pouco de poesia,

Um padre, o altar…depois…PONTO FINAL.

( Ponto e vírgula : estou entrando em férias.)

(*) r.galli@uol.com.br

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