Pedro Cardoso da Costa
“Isso só acontece no Brasil.” Essa frase, carregada de um tom pejorativo, é frequentemente usada para destacar situações estranhas que, supostamente, só ocorrem por aqui. Contudo, é possível que essa percepção não seja exclusivamente brasileira e se repita em outros países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos. Ainda assim, algumas peculiaridades do Brasil realmente se destacam por sua excentricidade ou falta de lógica.
Um exemplo curioso é o hábito de alguns órgãos jurisdicionais de carimbarem uma página em branco — geralmente o verso de um documento — para certificar que ela não está escrita. O paradoxo é evidente: ao carimbar, a página deixa de ser em branco justamente por conter o carimbo que atesta sua ausência de conteúdo. Esse tipo de equívoco lógico parece existir desde que o carimbo foi inventado.
Outro caso emblemático está relacionado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a instância mais alta da Justiça no Brasil. Um dos critérios para ser nomeado ministro do STF é o “notório saber jurídico”. No entanto, há precedentes de ministros nomeados após terem sido reprovados em concursos para juiz de primeira instância, o que suscita dúvidas sobre o preenchimento desse requisito.
No âmbito eleitoral, a situação é igualmente peculiar. O título de eleitor, documento emitido pela Justiça Eleitoral, não é suficiente para que o cidadão vote. É necessário apresentar outro documento com foto, embora o título já tenha contado com esse recurso em edições passadas. Assim, o documento fornecido pela instituição não atende à sua principal finalidade, um paradoxo que exemplifica o caráter contraditório de algumas práticas nacionais.
O cotidiano do brasileiro também revela convivências singulares com situações irregulares. O jogo do bicho, amplamente conhecido e praticado, permanece como uma contravenção penal, mas é tratado com extrema naturalidade. Da mesma forma, é raro encontrar um policial militar que não faça “bico”, apesar de essa prática ser proibida.
Há ainda hábitos curiosos e comportamentos que desafiam normas universais. No transporte público, por exemplo, existem assentos reservados para idosos, pessoas com deficiência e outras condições especiais, e são demarcados por cores. Contudo, quando esses assentos estão ocupados, é comum que passageiros em cadeiras comuns não cedam lugar, mesmo para quem claramente necessita.
No esporte, o Brasil também coleciona histórias incomuns: dois times já foram declarados campeões de um mesmo campeonato. No campo político, a lógica das eleições é igualmente intrigante. Um candidato deve se afastar de seu cargo eletivo para concorrer a outro distinto, mas pode permanecer no cargo caso dispute a reeleição.
Um comportamento que simboliza essa relação peculiar com normas é a forma como motoristas reagem ao sinal amarelo. Internacionalmente, esse sinal indica que a velocidade deve ser reduzida. Aqui, ele frequentemente se torna um incentivo para acelerar.
E o esoterismo brasileiro alcança a área governamental. Em 2026, o Brasil chega a 18 anos sob a administração de governos de ideologia social, cujas campanhas frequentemente destacam a luta pelo fim da fome. Contudo, os desafios persistem: 100 milhões de pessoas vivem sem acesso a saneamento básico, 33 milhões carecem de água potável, 6 milhões não têm banheiro, 23 milhões residem em áreas controladas por grupos criminosos, 16 milhões habitam favelas e, de forma alarmante, 20 milhões enfrentam a fome diariamente.
Essas particularidades ajudam a compor o retrato de um país onde a convivência com o inusitado é tão natural quanto suas paisagens e festividades icônicas.
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