N/A

Tudo o que se vê não é

João Baptista Galhardo

O título é extravagante, mas a verdade é que pelo menos a maioria das pessoas vive sob a tirania da aparência. Exigindo muito de si, em razão do que impõem o modismo e a sociedade em determinada época. Não quero com isso dizer que se deve descuidar do mínimo que a aparência física exige. Asseio pessoal, uma roupa limpa e passada, um corpo cheiroso, cabelos penteados, dentes tratados e bom hálito, fazem parte da atenção que se exige em respeito às pessoas com as quais se convive ou se comunica com habitualidade. Refiro-me da desnecessidade de se escravizar ou se deprimir para manter a aparência que os outros exigem. Quando adolescente, época em que não se freqüentava sem paletó e gravata o cinema, a igreja, saraus, aniversários e até restaurante de trem, me acabrunhavam minhas camisas, que não tinham, como as vendidas nas lojas, barbatanas sob o colarinho. O colarinho das minhas, feitas à mão pela minha mãe em modesta máquina manual de costurar, se arrebitava, deixando em desalinho o nó da gravata.

Era moda naquele tempo, também, ditada por Bogart no filme Casablanca, usar capa de chuva e respectivo chapéu, ambos do mesmo tecido, grosso e sem-impermeável, completados com a galocha de borracha, que protegia os sapatos da água. Tudo isso era muito “chic”. Quem não tinha era visto como “pé de chinelo”. Embora se saiba que a beleza e trajes não determinam necessariamente o caráter de alguém, sempre ou quase sempre, se valoriza uma pessoa pela sua aparência. A sociedade impõe regras boas ou não da boa aparência. Quando meus filhos eram pequenos, amigos e conhecidos me cobravam: “você já comprou para sua filha a boneca beijoca? O seu filho tem autorama?”, dois brinquedos caros daquele tempo. E o pai que não pudesse comprar se sentia deprimido. Há mais de cem anos Helena Rubinstein sentenciou: “toda mulher pode e deve ser bonita. A obsessão pela aparência é hoje a principal causa de estresse e ansiedade, tornando infelizes e deprimidas pessoas saudáveis que não atingem o padrão de beleza que a sociedade exige. Lipoaspiração, silicone, piercing, tatuagem, plástica, redução de estômago, bulimia, anorexia, idiotia, etc. Mal sabem que um simples sorriso pode melhorar a aparência. E não é de hoje que a aparência influi. Em Roma, num processo de dois acusados, havendo dúvida sobre o culpado, deveria o juiz executar o mais feio. É impressionante.

Tudo o que vemos e ouvimos são impressões ou aparências da mente. Já não se preocupa com o Ter ou Ser, mas sim com o que se pode aparentar para ser aceito. A sociedade é prisioneira da aparência. É preciso distinguir a aparência da realidade. Diz-se com muita sabedoria que a aparência não é tudo. O que vale é o conteúdo. E que este seja real. Às vezes temos certeza de alguma coisa que não corresponde à verdade. A verdade é sempre criação mental. Um homem com um binóculo, dentro de seu apartamento, no quinto andar de um prédio “fenestrava” o vizinho no apartamento do prédio ao lado. E pela vidraça presenciava repetidas cenas de sexo entre o morador e uma mulher. Certo dia percebeu que aquele homem depois de prolongada sessão de amor largou a companheira atravessada na cama, com as mãos e cabeça dependuradas. Apagou-se a luz. No dia seguinte, a mulher, imóvel, na mesma posição. Não teve dúvidas. Acionou a Polícia noticiando eventual homicídio. Polícia…

– Quem mora no apartamento do sexto andar?

– Ele está viajando.

Arrombaram a porta e constataram que tudo não passava de juízo apressado baseado na aparência criada pela mente do vizinho intrometido. Atravessada na cama e com mãos e cabeça dependuradas estava uma boneca adulta inflável. Destas que se vende em sexshop, com a qual o morador se satisfazia sexualmente. Na vida pessoal e na sociedade cabe distinguir a aparência real da aparência aparente. Aparência é sempre um julgamento de espírito. Juízo de valor. Tudo o que se vê ou se ouve nem sempre é o que se pensa que viu ou ouviu. A aparência engana.

Também de um apartamento, o morador via todos os dias o seu vizinho de uma casa térrea regar as flores de seu jardim. Até aí tudo bem. Acontece que o regador não tinha água. E o indignado desceu, interpelando:

– Você está louco? Todo dia regando as flores sem água?

– Não. Louco e atrevido é você. Não está vendo que as flores do meu jardim são de plástico!

Cada um dia enxerga o que a mente cria.

Compartilhe :

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

Agenda Esportiva

Audiência Pública debaterá regra sobre ano de fabricação de carros de aplicativo

Show nesta sexta-feira no Sesc Araraquara

Espetáculo de teatro neste sábado no Sesc Araraquara

Show neste domingo no Sesc Araraquara

CATEGORIAS