Troca-troca salarial

Antonio Delfim Netto (*)

Há uma desorganização muito grande na estrutura de remuneração dos servidores públicos no Brasil. Este é mais um dos graves problemas que foram se acumulando nos últimos vinte anos, quando permitimos que a economia patinasse num crescimento ridículo, uma verdadeira porcaria, com o PIB crescendo praticamente o que crescia a população. Essa desorganização vem acontecendo, na realidade, desde a extinção do DASP, o Departamento Administrativo do Serviço Público que tinha conseguido arrumar a administração pública brasileira e mantê-la num nível bastante razoável durante praticamente 50 anos (é preciso dizer aos mais jovens que se tratava de organismo criado nos anos 40 no governo Vargas).

Desde a extinção do DASP até hoje a estrutura de remuneração dos servidores públicos foi sendo destruída. Em termos de carreiras, houve uma pequena tentativa de promoção em algumas faixas no governo FHC, mas protegendo o pessoal trazido dos redutos tucanos de São Paulo, de sorte que o chamado “paulistério” se beneficiou mais que os outros e o desequilíbrio se agravou.

Não se restringe ao setor público a desarrumação da estrutura de remuneração do trabalhador brasileiro. O processo recessivo destes últimos anos produziu um fenômeno revelado num recente e cuidadoso levantamento do IBGE, mostrando a queda sistêmica do salário real no setor privado: entre 1996 e 2003, o salário real nas empresas privadas caiu 11%, enquanto no serviço público a média salarial cresceu (junto com o crescimento da desigualdade) e os gastos com o custeio estatal não pararam de aumentar. Acontece uma situação singular, no Brasil: onde se produz mais ganha-se menos e onde se produz menos, ganha-se mais… Isso mostra a nossa completa desorganização em matéria salarial. É claro que o que está acontecendo no setor privado é uma adaptação à estagnação econômica que vivemos nesse longo período: a empresa dispensa um engenheiro de 45 anos, treinado, com mais de vinte anos de experiência e contrata um jovem engenheiro de 23 anos (há uma enorme oferta de jovens desempregados nessa faixa etária) pagando um terço do salário do trabalhador que ele está substituindo, e vai utilizá-lo até considerá-lo obsoleto.

Desenvolveu-se um mecanismo feroz, terrível, de desestímulo a todo o aprendizado, como conseqüência da falta de crescimento da economia. Isso não vai resolver contratando mais gente para o setor público, como defendem filósofos petistas “da antiga”. Pelo contrário, o que vai resolver é fixar um teto para as despesas de custeio da máquina estatal: o governo precisa ter coragem de congelar esses gastos pelos próximos cinco ou seis anos, abrindo espaços para o investimento público e estimulando o setor privado a ampliar a produção e a oferta de postos de trabalho. Era exatamente isso que os governos fizeram quando o presidente Lula era metalúrgico e não tinha problema de emprego…

(*) E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br

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