Texto: Benedito Salvador Carlos, Benê, colaboração de Deives Meciano. (Matéria publicada originariamente na Revista Comércio e Indústria do jornalista Ivan Roberto Peroni)
É preciso sempre olhar o tempo e ver o que ele deixou para trás: incríveis são os rastros de saudade que ainda permanecem vivos e são eles que nos incentivam a viver cada vez mais. Benê
Chegamos em Interlagos no amanhecer do dia, após noites intermináveis de trabalho. Celso (Baiano Faito) Martinez, se dedicava acima de seus limites físicos para preparar a minha Yamaha FS1 de cinco marchas, de forma que ficasse competitiva e, ao mesmo tempo, confiável. A moto ganhou rotações espetaculares e velocidade de respeito, mas, em função de tanto giro, nunca terminava uma prova: sem a lubrificação necessária fundia a biela. Era a nossa escolha, sabíamos que o motor, enquanto não acertado, não resistiria. Ambicionávamos mais, ele como preparador e eu como piloto, queríamos andar na frente, ainda que por pouco tempo. Dávamos os passos que podíamos.
EM PARALELO
Baiano Faito também preparava uma Mondial Record, que naquele fim de semana seria pilotada por Luiz Carlos Gonçalves, o nosso "Patrick Depailler". A viagem do sábado para domingo foi de expectativas numa Perua Kombi da empresa Funal, tinha como sócio Adolpho Tedeschi Neto. De qualquer maneira lá estávamos e queríamos o melhor. O ritual era o de sempre: antes de entrar no autódromo, de madrugada, fazíamos uma visita em uma padaria próxima, para um café bem reforçado, talvez fosse a nossa única refeição do dia.
Do nada uma luz se aproximou de mim, Ediwilmo Queiroz. Piloto nascido em Araraquara e naquela época radicado em Capivari iria competir na categoria especial, me perguntou: “O que foi moleque?”
Na pista, tudo normal até primeira surpresa: inscrição de Luiz Carlos, nosso "Depailler" não foi aceita, organizadores alegaram que Neto (Olympio Bernardes Ferreira), nosso líder naquele dia, precisava "mais kilometragem de treino". Opção, o próprio Faito que participou da prova.
"Baiano Faito" se dedicava à preparação de motores, um grande piloto que era reverenciado como "Rei das Ruas", tamanha a facilidade em "andar" em circuito fora de autódromo fechado.
HORA DA LARGADA
Com esse quadro desenhado, Faito me fez últimas recomendações e foi cuidar de sua sorte. "Aqueça bem o motor com uma vela NGK B4, depois para a largada substitua por uma B-8 mais fria, e vá para a corrida". Fiz tudo direitinho, só não contava com duas surpresas: já de macacão e capacete a notícia de que na troca da vela a rosca do cabeçote da motocicleta havia espanado, prenúncio precoce de final de corrida para mim, sem ao menos ter começado. Frustração, estava fora da corrida e não sabia o que fazer.
O desespero maior estava por vir: da arquibancada, de frente aos boxes, ouço gritos de euforia, saudações. De braços erguidos em movimentos desenfreados, meu irmão José Roberto Carlos, sua namorada Zezé (Maria José Bernardes de Oliveira) e minha irmã Joelma Carlos (com o seu maravilhoso Karmann-Ghia amarelo), viajaram de madrugada e acompanhados do meu primo Carlinhos Bossi e sua esposa Doroti, residentes em São Paulo. Ali estavam para me prestigiar e eu não poderia desapontá-los.
Faito, Penha e Neto acionaram seus motores e lentamente foram para a volta de apresentação. Neste instante, desesperado não sabia o que fazer.
O QUE FOI MOLEQUE?
Do nada uma luz se aproximou de mim, Ediwilmo Queiroz piloto nascido em Araraquara e naquela época radicado na cidade de Capivari, que fora para competir na categoria especial, me perguntou: "O que foi moleque?". Relatei o ocorrido e minha vontade de largar de qualquer jeito. Ele de forma incisiva me disse: "Eu arrumo isto, mas depois só um milagre para reaproveitar esse cabeçote". Nem pestanejei, faça o que precisar. Com destreza, pegou a vela intermediária "NGK B-6" em segundos munido de uma lima foi alargando os fios da rosca que adentrariam ao cabeçote, envolvendo-os com um fio fino de cabo de aço revestido de uma fita plástica Teflon, para depois colocá-la em definitivo. Serviço pronto, coloquei meu capacete e rapidamente me juntei aos pilotos na volta de apresentação para a largada, fazendo uma corrida de sonhos.
Meus familiares assistiram a consagração de um novo mito do motociclismo nacional, Carlos "Jacaré" Pavan. Vencedor da prova na categoria especial de 350cc, verdadeiro show aos amantes da velocidade.
Velhos tempos, Belos Dias