João Baptista Galhardo
No mês de dezembro minha mãe escrevia no batente da porta o nome dos Reis Magos Belchior, Gaspar e Baltazar. Os que levaram ouro, incenso e mirra de presente para o Menino Jesus. Prendas que simbolizavam a realeza, a divindade e a imortalidade.
– Pra que mãe?
– Para dar sorte.
Meu pai perguntava: “a Casa Barbieri já está enfeitada?”.
O estabelecimento mais charmoso e sortido, não só da cidade como do interior do Estado, sob a direção da simpática família Barbieri. Ocupava a esquina da 9 de Julho com a Duque de Caxias. Com cinco ou seis anos eu sabia da existência do Papai Noel. Não ficava bravo nem triste pela sua ausência na minha casa.
Nos dias que precediam o Natal meus pais me levavam de mãos dadas para ver as vitrines daquela loja. Portas envidraçadas com desenhos da época. Vendedores vestidos de vermelho e com barba branca. Brinquedos de todos os tipos. E na parte superior um magnífico presépio em movimento.
Ali permanecíamos horas na calçada, vendo compradores e vendedores testando as compras. O cavalinho revestido de camurça, com sela e arreio. O super-homem. Roy Roger com seu cavalo. A moto acionada à corda. A máscara, a capa e a espada do Zorro. O pião colorido giratório. A rádio-patrulha com sirene. O carro de bombeiro. O forte apache. O trem elétrico em movimento. O triciclo e a bicicleta. Os bichos de pelúcia e tantos outros expostos para serem vistos e admirados.
Com os olhos e a mente eu usufruía, sem tocá-los. Muitos pais comprando este ou aqueloutro para os filhos. Mas nenhum deles teria a satisfação que eu tinha. A de desfrutar na companhia amorosa dos pais todos aqueles brinquedos ao mesmo tempo. Embora por curto prazo. Se pudessem financeiramente eles entrariam na loja e comprariam todos de uma só vez. E essa intenção deles já me deixava alegre e satisfeito.
Voltava para casa a pé ou nos ombros do pai, simulando cansaço ou sono para prolongar aquele aconchego.
Naquela noite entre sonhos e realidade, dando asas à imaginação, eu voava com o super-homem. Juntamente com Roy Roger eu salvava a mocinha amarrada pelos bandidos na carruagem e prestes a cair no abismo. Fazia justiça com a espada do Zorro. Auxiliava os bombeiros a apagar incêndios. Cavalgava no cavalinho de camurça com a menina bonita na garupa. E de farda dentro da rádio-patrulha colocava algemas nos bandidos.
Não sabia o que era ceia de Natal. Mas no dia seguinte minha Mãe preparava o almoço mais caro do mundo. Pois consumia todo capital disponível para a macarronada com molho de tomate apurado no fogão de lenha, carne de caçarola, queijo ralado e refrigerante. Ninguém ficava frustrado. Ao contrário. Só alegria. Havia muito amor dentro da família. Espírito de religiosidade no sentido de união.
O mundo mudou materialmente para melhor. Evoluiu em todas as ciências. Porém involuiu espiritualmente. Principalmente quanto à espontaneidade e a sinceridade indispensáveis para o brilho da festa natalina.
Vemos hoje em todas as classes sociais os solitários na multidão. Portadores da síndrome do Natal. A TPN. Sintomas natalinos patológicos diferentes, sem causa específica ou explicação. Pessoas contaminadas por tristeza infundada, prostração e abatimento mental. Melancolia inexplicável. Sentimento de culpa pelas carências do mundo. Esquecem que a Festa deve ser aproveitada sem ressentimentos. Não há alegria mais contagiante do que o brilho nos olhos da criança em contato com o Papai Noel. Vamos armar nossa árvore de Natal colocando em cada galho a tolerância para não se exaltar com o modo diferente de agir, de pensar e de sentir daqueles que vivem ao nosso redor. Pendurar ali o sorriso, a gentileza, a bondade, o amor, a flexibilidade espiritual, a sinceridade, a compaixão, a verdade e a simplicidade, sobretudo a esperança. Esperança de melhor saúde, de trabalho, de salário digno. Colocar nas suas estrelas mais afeto e solidariedade. Principalmente discernimento para entender que todos os desejos mencionados podem ser atendidos pelo Papai Noel que cada um carrega ou deveria carregar dentro de si.