Antonio Delfim Netto (*)
Uma parte importante da carga tributária bruta brasileira destina-se a pagar os juros das dívidas contraídas no atual governo. É preciso que as coisas sejam ditas como elas são, neste final de dois mandatos presidenciais, no momento em que se procura explicar o enorme aumento dos impostos como decorrência do crescimento das demandas sociais. Reivindicações para melhorar educação e saúde tanto existem no México, quanto no Brasil. Aqui, os impostos vão comer 37% do PIB em 2002, enquanto a carga tributária mexicana é de 22% do PIB e não é muito diferente nos demais países de renda semelhante a nossa.
Há, sim, pressões pelo aumento dos gastos sociais que sempre vão continuar a existir, mas isso não serve de justificativa nem para o aumento da carga bruta, nem para a resistência em mexer no sistema tributário que caracterizou a atual administração federal. A carga de impostos aumentou brutalmente dos 23% de 1994 para os atuais níveis porque o governo FHC jamais se preocupou em fazer economia. Enquanto o PIB brasileiro cresceu à taxa de 2.3% nesses oito anos, as despesas cresceram 6% a cada ano. Houve um enorme e constante desperdício, ao mesmo tempo se deixava acumular a maior dívida de toda a história brasileira. O pagamento dos juros dessa dívida já consome uma parte significativa da arrecadação tributária e isso vai continuar a acontecer pelos próximos anos, pois todos sabemos que “a dívida pública de hoje é o imposto de amanhã”, como já ensinavam os textos de economia do século 18.
O desperdício, a falta de controle nas despesas e a necessidade de honrar as dívidas são as verdadeiras causas que levaram ao aumento da carga tributária. Não há como deixar de pagar os juros, mas pode-se conter o desperdício e melhorar a qualidade das despesas. As reivindicações, que vão continuar existindo, devem servir de estímulo para o próximo governo empenhar-se em fazer a reforma fiscal desde seus primeiros dias.
A questão tributária é bem mais complexa do que aparenta quando se abrem as discussões da reforma do sistema. Freqüentemente se esquece que a condição inicial é entender que o Brasil é um país federal. O federalismo domina a construção da sociedade brasileira desde os tempos do Império e essa condição sempre acabou prevalecendo quando confrontada com experiências de centralização tributária na Monarquia e durante a República. O ponto de partida da reforma, então, é o respeito aos princípios federativos, onde os Estados reivindicam sua parcela nas decisões tributárias internas. Um bom caminho seria recuperar o projeto Rigotto-Mussa que já avançou na Câmara Federal e superou muitas dificuldades, com a consciência de que não existe a solução ideal, mas sim uma reforma possível e, sobretudo, inadiável.
(*) E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br