Nós, seres humanos, sempre pensamos que somos poderosos porque nossos cérebros são os melhores entre todos os animais. Tudo bem, temos uma inteligência fantástica, mas não temos o faro dos cães, a força das formigas, a reprodução dos coelhos, a tesão dos jumentos, o tempo de vida das tartarugas, o veneno das cobras, o fôlego do gato, a memória do elefante.
Nosso cérebro satisfaz nossas ordens quando queremos andar, falar, pensar, dançar, segurar, rir, fingir, fazer caretas, etc., mas ele não dá conta sozinho de fazer funcionar os órgãos automáticos como o coração, os pulmões, o fígado e as outras glândulas, o estômago, os intestinos, os rins, a reprodução, etc. Todos os órgãos que funcionam sozinhos, até enquanto dormimos, precisam recorrer a outras forças além do cérebro: Primeiro, a medula espinhal, que está dentro da coluna. Segundo, os hormônios, que são produzidos por nove glândulas que estão em várias partes do corpo. Terceiro, o sistema nervoso grande simpático, que está dentro da barriga. Quarto, o sistema para-simpático, que sai da base do cérebro. Quinto, alguns nódulos semelhantes a "chips", que existem na carne do coração. Sexto: os reflexos.
De todos esses auxiliares do cérebro, o que mais admiro são os reflexos.
Reflexo, todos sabemos, é quando alguma coisa atinge nosso corpo e nós temos uma reação sem querer e sem precisar pensar. É o que acontece, por exemplo, ao sentar cruzando as pernas e alguém dá uma batidinha rápida logo abaixo da rótula do joelho: a gente dá um chute sem querer. Quando encostamos o cotovelo no ferro de passar ou na panela quente, o braço recua sem a gente precisar pensar. A gente olha no espelho do quarto e vê a menina dos olhos bem grande; se a gente pega o espelho e chega perto da janela, a claridade dá um reflexo fazendo a menina dos olhos ficar bem pequena, evitando que o sol queime a nossa retina. Tais reflexos nos protegem.
De todos os reflexos, o que acho mais divertido é o REFLEXO GASTROCÓLICO. "Gastro" é o estômago e "cólon" é o intestino grosso. Nossas tripas estão sempre contraindo e relaxando. É o chamado movimento peristáltico, destinado a empurrar o alimento prá frente, como um riozinho. Todos os bebês nascem com o reflexo gastrocólico. Estando com o estômago vazio, caindo algum alimento, esse reflexo faz o intestino grosso contrair mais forte e o bebê faz cocô. O problema é que esse reflexo é anti-social, de forma que, quando a gente cresce, quase todas as pessoas vão conseguindo dominar a cólica para não precisarmos correr ao banheiro logo após as refeições.
Para compensar, a gente adquire, com o tempo, o chamado reflexo naso-gástrico: ao sentirmos um cheiro de churrasco, de batatas fritas, etc., mesmo de longe, nosso estômago produz um excesso de sucos digestivos, como se fôssemos comer aquilo imediatamente e isto ajuda nossa digestão.
Vou falar de um bichinho que tem o reflexo gastrocólico. É o inseto chamado Triatoma, Barbeiro ou Chupança, que chupa nosso sangue e nos transmite a Doença de Chagas, que ataca o coração e os intestinos. Esse bicho voador parece um percevejo, mas tem 1,5 a 2,5 centímetros de comprimento e o pescoço dele é comprido, tal qual o desenho que fiz aí ao lado. Nas tripas do barbeiro, vivem os parasitas micróbios da Doença de Chagas, como se fossem lombrigas. Por causa do dito reflexo, ele acaba de chupar o sangue de algum homem ou mulher e já faz cocô. Aí a pessoa coça o local e esparrama as fezes do bicho dando chance para que os parasitas penetrem no buraquinho da picada, caiam na circulação e vão fazer estragos no coração. Se não existisse a coceira, não existiriam os chagásicos…
Como eu disse, a maioria das pessoas adultas consegue dominar o reflexo gastrocólico, indo à privada somente mais tarde, mas há muita gente que continua com o danado do reflexo pro resto da vida.
Um Médico daqui de Araraquara tem esse reflexo gastrocólico bem forte e por isto, entre uma cirurgia e outra, ele evita comer aquelas bolachas que servem nos hospitais ou mesmo tomar café. Ele me contou rindo que passou apertado certa vez em que foi visitar um hospital em Munique, na Alemanha. Chegando de táxi, ele deu uma paradinha em frente para comer um daqueles sanduíches de lingüiça branca que servem por lá. Minutos depois, ao entrar no pátio do hospital, sentiu uma cólica forte e percebeu que não lhe daria tempo de procurar um banheiro. Subiu rápido num pequeno morro que havia nos fundos do hospital e resolveu seu problema atrás de uma moita, usando uma das meias dele em lugar de papel higiênico…
Quando eu era menino, chegou em casa, para nos visitar, uma prima da Mamãe que morava em Itumbiara, Estado de Goiás. Ela veio acompanhada pelo caçula dela, que estava com cinco anos de idade. Depois dos primeiros papos, ela aproveitou que o menino havia pegado no sono para contar o que aconteceu durante a demorada viagem que fizeram de ônibus. É claro que eu fiquei por ali para escutar a história dela…
Ela contou prá Mamãe que o ônibus deu uma paradinha num posto perto de Uberlândia e ela aproveitou para irem comer alguns salgadinhos. Poucos minutos depois, o ônibus já estava rodando novamente quando ela começou a sentir uma forte vontade de evacuar. (Nem é preciso dizer que, naquele tempo, não havia ainda ônibus com privada.)
Torcendo-se de cólicas ela foi até perto do motorista dando passinhos bem curtos para evitar um desastre e falou prá ele que o menino, filho dela, estava com dor de barriga, se ele podia dar uma paradinha… O motorista a atendeu prontamente e parou o ônibus no acostamento. A prima da Mamãe disse que ficou tranqüila pelo local da parada porque havia mato por ali, de forma que ninguém iria descobrir que o problema era dela e não do garoto… Ela foi lá perto do menino, pegou docemente a mãozinha dele e disse: "Vamos, benzinho, o homem parou prá você fazer cocô…" Ela não contava com a zebra. O guri lhe respondeu bem alto: "Eu não quero fazer cocô!" Bravíssima, em tom de repreensão, ela gritou pro menino: "Você me disse que queria fazer cocô, agora você tem que fazer!…" Juntou o menino pelo braço e o arrastou esperneando desde sua poltrona até lá fora, no meio do mato, enquanto o povão do ônibus se arrebentava de dar risada…