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Racismo: ou ignora, ou não alcança

Léo Rosa de Andrade (*)

Não deve ser nada fácil ser pai de uma criança e vê-la escorraçada de algum lugar tão somente pelo fato de ser negra. Suponho difícil ser filho\a de um\a atleta e ver que se o\a chama de macaco\a porque sua pele contém melanina. Deve provocar indignação ser interpelado\a como negro\a não por ser negro\a, mas por não ser branco\a.

O ideal é que coisas assim fossem desprezíveis e, portanto, desprezadas, fora da vida social. Tristemente, estão no cotidiano. Isso provoca repulsa ética, uma raiva solidária. A quem é racista por ignorar os motivos de mais ou menos pigmentação na pele, dá uma deleitosa vontade de chamar de ignorante e burro, e sugerir que vá estudar.

Essa ideia que temos de que o racismo é algo recente, capitalista, é falsa. As pessoas supõem que o racismo tenha surgido por causa da escravidão há 400, 500 anos. O racismo tem entre 3 e 4 mil anos de existência. Antes, pessoas negras estavam disseminadas no planeta inteiro. Ninguém se sabia negro\a, porque todo\as eram negro\as.

Os povos de pele preta apareceram na África, há 3 milhões de anos. Eram a humanidade. Surgidos em latitudes com muito sol, tinham no preto um escudo contra raios solares. Sem a cor na pele advinda da melanina, nem haveria humano\as. A raça branca é recente, surgiu entre 12 e 18 mil anos atrás. Evolutivamente, pouco tempo.

Ao saíram da África há 50 mil anos, o\as humano\as foram para climas onde havia o mínimo de raios ultravioletas, muito\as não resistiram. Por seleção natural foram apuradas duas outras raças (etnias). Indivíduo\as de pele mais clara puderam adaptar-se melhor, captando o pouco de raios violetas existente nas zonas euroasiáticas do Norte.

Essas três raças entram em combates por recursos. Os grupos que avançaram para o sul começaram a despejar o\as negro\as. A partir daí esses grupos se reconhecem como distintos e surge a noção de raça. Muitas pessoas sequer sabem que isso ocorreu e que esses eventos deram lugar a um tipo de consciência que as domina hoje.

Não se pode combater algo que não se conhece, nem como surgiu ou como se transformou por milênios, assentando-se ideologicamente depreciado. Tendo-se visão antropológica e histórica, baseada em estudos científicos como a genética e a biologia molecular, podemos analisar os acontecimentos a partir de outras bases epistemológicas.

O fundamento “teórico” que informa a mentalidade dominante é o mito bíblico de Cam, narrado no Velho Testamento: Noé lançou uma maldição contra seu neto, Canaã, porque seu pai, Cam, o vira nu, após Noé se haver embriagado, e dele debochara: “Maldito seja Canaã! Ele será escravo dos seus irmãos, um escravo miserável” (Gênesis, 9).

Essa passagem foi empregada para justificar a escravatura negra e ainda dá suporte argumentativo para racistas. A “palavra divina” autorizou o domínio sobre povos negros. Religiosos – atualmente apenas o\as fanático\as – consideram que, simplesmente, cumpriu-se a maldição sobre Cam, na medida em que negro\as foram escravizado\as.

Não acredito em racismo modulado, suave ou cordial. Racismo é uma supressão da condição de humano\a. No fundo do racismo há a intenção de genocídio. O cristianismo deu licença moral à escravidão com a decorrente aniquilação de negro\as. No Brasil, políticas públicas planejaram seu extermínio através da miscigenação.

Nos EUA, o racismo se baseia no apartheid, que, contraditoriamente, agrega e delimita; formaram-se dois grupos compactos e a possibilidade de negação. Os grupos recusam-se mutuamente. O racismo que temos aqui, entretanto, é de tipologia ibero-americana, atomizador. Quando se atomiza, não se nega, nem se negocia. É um racismo pré-industrial.

A “metodologia” brasileira pretendia que o constante cruzamento de raças branca e negra, em situação de inferioridade da negra, promoveria a diluição e desaparecimento desta, porque o inferior quer ascender, e a ascensão no Brasil é branquear-se. Recusando-se a diversidade, se eliminariam o\as negro\as. Esse racismo é insidioso.

Mapa da violência no Brasil: em 10 anos, mais de 225 mil negro\as foram morto\as! Em 10 anos, na Guerra Civil do Iraque morreram 138 mil pessoas. Imagina a hecatombe! A explicação sobre a origem do racismo e a sua situação no Brasil é de Carlos Moore (as bases bíblicas são acréscimo meu).

Moore, para quem não sabe, é um dos mais importantes intelectuais da atualidade. Autor consagrado, é doutor em Ciências Humanas e em Etnologia pela Universidade de Paris e chefe de pesquisa na Universidade do Caribe, Jamaica. Fundamenta o que diz. Ah! Ele é negro. Um dia, desejo, ninguém referirá a cor da pele de ninguém.

(*) É Doutor em Direito pela UFSC, Psicanalista e Jornalista.

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