Antonio Delfim Netto (*)
Todos sabemos que no Brasil existem especialistas que têm a solução para qualquer problema , embora não contem para ninguém como resolvê-los … Um desses problemas é o do “déficit da previdência”. Talvez por isso alguns de nossos sábios reagiram mal à forma como o presidente Lula colocou a questão, separando os problemas do déficit da previdência propriamente dito e os gastos da assistência social. Outros atacaram a idéia da criação de um fórum para uma discussão ampla na sociedade, sob a suspeita que no Brasil quando não se quer resolver o problema nomeia-se uma comissão. Aqui é o contrário. Nos dois casos o presidente está com a razão: é perda de tempo ficar debatendo se o déficit é do Tesouro ou não é, pois tudo é déficit e sempre acaba em aumento de imposto; e o fórum é necessário para pôr à volta da mesa as pessoas que vão defender o que é vital para todos nós que trabalhamos a vida toda e as que podem representar os que virão depois. Essas são coisas que nenhum sábio pode prescrever.
Antes de começar a discussão é preciso pensar a natureza dos problemas que estão envolvidos na questão da seguridade social. Existe o problema da previdência no setor privado que cresceu principalmente devido ao número de pessoas que estão trabalhando sem carteira assinada, que foram postas à margem da sociedade pelas políticas de baixo crescimento econômico dos últimos 20 anos. Não está aqui o maior déficit mas ele é importante porque uma boa parte da população trabalhadora brasileira está completamente fora do sistema de seguridade. Tem que fazer a reforma trabalhista para trazê-la de volta à formalidade e acertar as contas do setor: é uma questão atuarial e cada um só vai poder receber no futuro aquilo que contribuiu.
Na previdência pública o problema atingiu um nível muito mais grave, o déficit é gigantesco mesmo quando se retira a participação do governo porque, ao contrário do que acontecia antes, a média salarial do servidor público é hoje mais elevada do que a do trabalhador privado e as aposentadorias também. Aqui a questão se coloca como um problema de Estado e não tem apelação: o Estado tem que se acertar com o seu contribuinte, funcionário civil ou militar.
O terceiro problema é aquele a que o presidente se referiu, da assistência social. Não surgiu neste governo e o gasto é mesmo do Tesouro. Vem de longe, da Constituição Cidadã de 1988 que criou um Estado de Bem Estar Social que exigiria uma renda per capita de 70 mil dólares, para ser implantado no Brasil que tem uma renda per capita de menos de 4 mil dólares anuais, hoje. Existem gastos de assistência que foram determinados pela Constituição e existem os programas sociais que vão sendo criados. Todas são despesas do Tesouro e têm que ser colocadas no Orçamento, da mesma forma que tem que vir no Orçamento a cobertura do buraco no serviço público.
Por todas essas razões é preciso mesmo reunir nesse fórum as contribuições que as pessoas e os setores interessados da sociedade possam oferecer para vislumbrar as soluções que vão ser aplicadas ao longo do tempo . Não se imagine que isso possa resolver em poucos anos e que ainda exista solução via aumento da carga tributária, o que sempre aconteceu na forma de votações afobadas como “solução” de última hora. A sociedade brasileira já mostrou que não aceita mais aumento de impostos, até porque entendeu que eles são a causa maior do atual atraso econômico e porque não cabem mais no PIB e portanto seria inócuo tentar mais uma vez.
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