Enquanto uns trabalham exaustivamente, outros curtem o momento, aproveitam à custa de quem arou, semeou, regou, podou e, só depois, colheu e usufruiu
Existem momentos em que mesmo os justos e fortes passam por fases de grande abatimento. Isso acontece por variados motivos, mas muitas vezes, as pessoas tendem a sobrecarregar àqueles que se dispõem a servir. É sabido que, de uns tempos para cá, a acomodação tomou conta de um sem número de pessoas. Elas esperam ser servidas, e costumam não ter a iniciativa de fazer algo, quer por si mesmas quer por outros. Esse quadro vem paulatinamente dividindo a população em dois grandes grupos: o daqueles que fazem e o daqueles que esperam ser feito. Nesse sentido, a pessoa dinâmica tem sido extremamente explorada. A exploração aumenta se, além de ser ativa, a pessoa apresenta características que lhe dificultem dizer não, tais como, espírito solidário, ideal altruísta, índole subserviente ou apenas amistosa.
Não resta dúvida que administrar tais situações é complicado. Alguns se esforçam para cultivar uma imagem de acordo com expectativas familiares ou religiosas, e já pagam um alto preço por isso, haja vista o rumo que a nossa atual sociedade vem tomando, ou seja: individualismo, egocentrismo, hedonismo, entre outros "ismos" da vida. Começa a existir um contraste muito grande entre as pessoas que se dedicam ao verdadeiro aprimoramento pessoal, e aquelas que apenas engolem os conceitos apregoados por revistas e programas televisivos, e que tem contribuído para o esvaziamento dos valores morais e éticos tão necessários em todos os tempos. Parece que os bem intencionados tem sido massacrados pelos que diuturnamente distorcem o sentido do "carpe diem". Enquanto uns trabalham muito outros "curtem o momento", "aproveitam" à custa de quem arou, semeou, regou, podou e, só depois, colheu e usufruiu.
Tem muita gente usufruindo, sem ter a mínima noção do trabalho que dá plantar. Quando se acabam as provisões, apenas mudam de fornecedor, num círculo vicioso de aproveitamento do esforço alheio. E, se porventura, o outro não lhe dá o que deseja, atreve-se a furtar, roubar, seqüestrar, para ter o que julga ser seu por direito. Obviamente não estou me referindo apenas a delinqüentes, mas também a engravatados. Afinal, comodistas, exploradores e ladrões existem em qualquer classe social. Isso está relacionado ao caráter e à formação moral. Algo que para existir precisa ser semeado, regado, podado, para depois poder dar frutos. Mas, tal requer tempo, e ninguém mais deseja perdê-lo. "Carpe diem", viva o momento, aproveite o dia. E que se lasque quem pensa diferente. Vamos passar sorridentes na frente desses "otários" que trabalham feito "doidos". Vamos lhes mostrar que a vida é bem melhor com uma companhia bonita, uma cerveja gelada, um punhado de droga, e a seqüencial quebra das regras de convivência social.
Há muitos filhos explorando pais e vice-versa. Há muitas mulheres sendo exploradas por seus companheiros e vice-versa. Há muitos patrões explorando seus empregados e vice-versa. Está ficando cada vez mais difícil lidar com a acomodação e desonestidade alheias, principalmente quando as pessoas se julgam cheias de direitos, embora com freqüência se esqueçam de seus deveres. Às vezes, confesso, tenho medo que o justo se canse. Sei que o derradeiro acerto de contas não é entre nós, mas há momentos em que faço minhas as palavras do político e jurisconsulto, Rui Barbosa: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto". Nessas horas, surge o abatimento.
Maria Regina Canhos Vicentin (e.mail: mrghtin@jau.flash.tv.br) é psicóloga e escritora.