Sylvia Mendonça do Amaral (*)
A cena habitual de final de ano das lojas de rua e shoppings lotadas nos faz pensar no consumismo, em especial quando envolve crianças e adolescentes. Os pais até se preocupam com a questão, mas continuam, ano após ano, buscando algo que sacie a “fome” de possuir de seus filhos.
Essa preocupação já gerou mais de um projeto de lei com o objetivo de regulamentar e proibir a publicidade agressiva de produtos voltados às crianças e adolescentes. Pesquisas indicam que nossas crianças ficam na frente da TV por mais de três horas diárias. Com a quantidade de propagandas dirigidas a elas, podemos imaginar o resultado. Os pais pouco ou nada conseguem controlar. Geralmente estão fora de casa e muitas vezes deixam as crianças apenas em companhia da TV ou do computador, com acesso a um mundo de informações através da internet e expostos aos apelos dos anunciantes vorazes.
A regulamentação desse tipo de publicidade é ainda uma questão de saúde pública. As propagandas também focam guloseimas como biscoitos, balas, chicletes e chocolates. O consumo exagerado de alimentos anunciados na TV, rádio e revistas explica parte do aumento vertiginoso da obesidade em crianças e adolescentes. Existe um projeto de lei que trata diretamente da publicidade de alimentos.
A proibição de propagandas dirigidas às crianças e adolescentes já é adotada, por exemplo, na Suécia. Além disso, as embalagens de alimentos devem ser neutras para não incitar o consumo. Na Espanha, não é permitido usar como divulgadores de produtos voltados ao público infanto-juvenil os apresentadores de programas infantis ou celebridades, aí incluídos personagens de desenhos animados. Na Inglaterra, a propaganda voltada ao público infantil deve ser previamente analisada por órgãos competentes. Apenas são anunciados produtos cujo valor esteja abaixo de determinado patamar, para não incentivar o consumo de bens de valor elevado.
Em alguns países, são proibidas as propagandas de produtos alimentícios que carreguem consigo um plus (brinde que acompanha o bem oferecido). Não é permitida a publicidade de chicletes com figurinhas colecionáveis, por exemplo, o que desencadeia uma “necessidade” de consumir aquele produto mais pelo brinde do que pelo alimento propriamente dito.
O projeto de lei que tinha como objetivo proibir a publicidade voltada às crianças e adolescentes foi proposto pelo deputado Luiz Carlos Hauly em 2001. Posteriormente, foi apresentado um substitutivo pela deputada Maria do Carmo, que regulamenta tal publicidade ao invés de proibi-la, visando com isso um caminho mais suave para não tornar o projeto de lei inviável ante o lobby das redes de televisão, programas infantis, fabricantes de brinquedos e alimentos.
Já existem no país algumas regras sobre o assunto, apesar de serem do conhecimento de poucos e de não terem força de lei. O Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária) publicou, em setembro deste ano, uma série de normas éticas que devem ser seguidas pelos anunciantes. Abordam vários aspectos e demonstram preocupação, também, com a publicidade de alimentos.
O Código de Defesa do Consumidor trata genericamente do assunto, dispondo que são proibidas propagandas abusivas, assim considerando aquelas que exploram a pouca capacidade de julgamento das crianças. As crianças menores são incapazes de discernir o que é importante, necessário, supérfluo, saudável ou nocivo. Talvez por ser tão genérico, esse artigo é mais um daqueles fenômenos que atingem nosso país, o das leis que “não pegam”.
O descontrole e a fúria capitalista dos fabricantes tornaram nossas crianças e adolescentes um filão facilmente explorável. A busca do retorno financeiro substituiu preocupações com o consumismo e obesidade.
(*) É advogada especialista em Direito de Família e Sucessões. sylvia@smma.adv.br