Natália Soriani (*)
Uma decisão liminar do Tribunal de Justiça de São Paulo trouxe à tona, mais uma vez, o debate sobre os limites da atuação dos planos de saúde e o direito à vida. Na última quinta-feira, 21 de novembro, a Justiça determinou que a SulAmérica, uma das maiores operadoras de saúde do país, autorizasse, em até 24 horas, a implantação de um marca-passo definitivo em um aposentado de 78 anos. O paciente, internado desde o início do mês na UTI do Hospital Samaritano, em São Paulo, corre risco de vida devido a uma condição grave de bradicardia severa. Entretanto, até o momento, a operadora se nega a realizar o procedimento por questões financeiras e administrativas. E a questão que fica é: existe valor para a vida de um paciente?
Importante destacar que em caráter emergencial, o idoso havia recebido um marca-passo provisório, mas a solução temporária o mantém imobilizado, expondo-o a complicações graves como escaras e infecções. Mesmo diante da urgência médica, a SulAmérica negou o procedimento definitivo, alegando “ausência de cobertura contratual”. A negativa levou a família a buscar assistência jurídica.
A decisão judicial foi necessária diante da postura da operadora. Trata-se de um procedimento essencial para a sobrevivência do aposentado, que há mais de três décadas paga suas mensalidades em dia. A negativa coloca a vida dele em risco iminente e demonstra descaso absoluto com o direito fundamental à saúde, assegurado pela Constituição Federal.
E aqui cabe frisar que a jurisprudência é clara ao classificar como abusiva a negativa de cobertura para tratamentos indispensáveis à vida do consumidor. Amparada pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC), que impede limitações contratuais a procedimentos prescritos por médicos em situações de emergência, a decisão também se baseou no artigo 421 do Código Civil, que enfatiza a função social do contrato, e na Súmula 608 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que obriga os planos a custearem tratamentos essenciais, mesmo que não estejam previstos no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).
A juíza Carina Bandeira Margarido Paes Leme, responsável pela decisão, foi enfática ao estabelecer uma multa diária de R$ 10 mil em caso de descumprimento. A medida visa garantir que a SulAmérica cumpra a determinação e que o procedimento seja realizado dentro do prazo estipulado.
Entretanto, após várias horas e dias, a operadora continua negando a cobertura do marca-passo e ignorando a decisão judicial e as chances de sobrevivência do aposentado. Será que para a SulAmérica as suas questões financeiras e administravas estão acima da Justiça e também do valor da vida?
Casos como esses ilustram um problema frequente no setor de planos de saúde: a resistência em autorizar procedimentos essenciais, especialmente os que envolvem custos elevados. Embora as operadoras defendam que o rol da ANS seja considerado taxativo, ou seja, que apenas os procedimentos listados sejam obrigatórios, o Judiciário tem reiterado que a lista deve ser vista como exemplificativa, garantindo a cobertura de tratamentos indispensáveis à vida e à dignidade do paciente.
Mais do que uma questão contratual, situações como essa trazem à tona reflexões sobre a humanização da saúde e o valor da vida em um sistema frequentemente guiado por interesses financeiros. A decisão da Justiça de São Paulo é uma lembrança de que, em casos extremos, a lei precisa intervir para proteger o que há de mais precioso: a vida humana.
(*) É advogada especialista em Direito Médico e da Saúde.
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