João Baptista Galhardo
Ovídio, poeta latino, na sua obra “Tristia” já assinalava que vive bem quem vive na obscuridade (bene vixit qui bene latuit). Essa é, também, a moralidade da fábula de Florian, sobre a borboleta e o grilo, na qual mostra que a vida discreta e sem ostentação é mais segura que a dos que vivem em grande evidência. Não quer isso dizer, entretanto, que se deve viver escondido, fugindo dos problemas e das venturas que a vida oferece. Mas nunca é demais afirmar que o tolo ou o que se passa por ele, dificilmente (ou nunca) é atingido por calúnias, advindas por certo do grande mal chamado inveja. Não se atira pedra no imbecil. A verdadeira caridade, o efetivo amor é alegrar-se com a alegria do próximo. Compadecer-se do sofrimento alheio, desejando ardentemente aliviar a dor do outro, no sentido de lhe proporcionar alegria. O principal motivo que leva alguém a agir de forma contrária é, repito, a inveja, uma das principais causas de agressões físicas e ou morais. Dela resultam inúmeros e hediondos crimes, corrupções, conflitos de toda espécie e até mesmo guerra. A inveja tem origem na comparação que se faz em relação aos demais. E quem se compara nunca fica satisfeito. Tenha ele o padrão de vida que tiver. Contam, eu li na internet, que Winston Churchill, ainda bem jovem, quando acabou de pronunciar um discurso de estréia na Câmara dos Comuns, foi perguntar a um velho parlamentar, amigo de seu pai, o que tinha achado do seu primeiro desempenho naquela assembléia repleta de vedetes políticas. O velho, colocando a mão em seu ombro disse em tom paternal: “meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi muito brilhante neste seu primeiro discurso na Casa. Isso é imperdoável para os que aqui estão há mais tempo. Devia ter começado um tanto na sombra. E ter gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstrou hoje, deve ter conquistado, no mínimo, uns trinta inimigos”. Ali estava uma das melhores lições que um sábio pôde dar ao pupilo que se iniciava numa carreira difícil. Imaginem no Brasil. Como dizia Rui Barbosa no seu tempo: “há tantos burros mandando em homens inteligentes que, às vezes, fico pensando que a burrice é uma ciência”. O talento alheio assusta o medíocre. A vida é assim. Tem sempre um invejoso ou sem caráter tentando prejudicar alguém simplesmente em razão do brilho que não possui. Como a do sapo ventrudo que por não ter luz própria sufocou o vaga-lume. Observa-se, ainda, que boa parte das pessoas encasteladas em posições relevantes, colocando-se em altares imaginários, é vulgar e tem indisfarçável medo do brilhantismo e da inteligência alheia. É pecado fazer sombra a alguém até numa conversa social. Por isso que a prudência aconselha, de vez em quando, por inteligência, se passar por bobo. O fessa não morre na guerra, onde só se mata os fortes e valentes. Como sugere Nelson Rodrigues: “Finge-te de idiota e terás o céu e a terra”. Nas histórias (orientais) da tradição Sufi (de religião ou de sabedoria) há o conto do Mullah Nasrudin que ia esmolar na feira, e as pessoas adoravam fazê-lo de tolo. Mostravam duas moedas. Uma maior e uma menor. A menor valia dez vezes mais que a maior. Nasrudin escolhia sempre a maior que era de menor valor. A história correu pelo condado. Dia após dia, grupos de homens e mulheres mostravam as duas moedas, e o pedidor de esmolas, para riso dos zombeteiros, não ficava com a de maior valor. Até que apareceu um senhor generoso, cansado de ver Nasrudin sendo ridicularizado daquela maneira. Chamando-o a um canto da praça, disse: -sempre que lhe oferecerem uma das duas moedas, escolha a de menor tamanho e que vale mais. Assim terá mais dinheiro e não será considerado idiota pelos outros.
Nasrudin lhe respondeu:
– O senhor parece ter razão. Mas se eu escolher a moeda mais valiosa, as pessoas vão deixar de me oferecer dinheiro, para provar que elas são espertas e sábias e eu um pobre imbecil. O senhor não sabe quanto dinheiro já ganhei, usando este truque.
E acrescentou: “Não há nada de errado em se passar por tolo, se na verdade o que você está fazendo é inteligente”.
Os sábios não dizem o que sabem. Os medíocres não sabem o que dizem.