Tenente Dirceu Cardoso Gonçalves (*)
Enquanto aqui em São Paulo já temos uma lei que proíbe os alunos de levarem o telefone celular às aulas – uma restrição que se estende para outras localidades brasileiras e do exterior – vemos a Austrália discutindo proibir que menores de até 16 anos de idade tenham perfil ou utilizem as redes sociais. O objetivo declarado é proteger os inimputáveis de cometer irregularidades e protegê-los de possíveis represálias. Da forma que o assunto é encaminhado na terra dos cangurus, o adolescente não poderá participar das plataformas mesmo que seus pais ou responsáveis o autorizem.
O Reino Unido e outros países acompanham com interesse a proposta e têm a expectativa de também adotar as restrições. Ao contrário de outras Nações – entre elas o Brasil – onde a maior preocupação não está na participação dos menores, mas naquilo que os usuários postam em suas páginas dos aplicativos. Aí ocorre o fenômeno da censura que – no Brasil – é vedada por dispositivo constitucional. No formato legado pelos constitucionais dos anos 80 – cujo texto continua em vigor com mais de u ma centena de emendas – não podem prevalecer as restrições a publicações, diversões públicas e atividades culturais, ações consideradas impeditivas à livre manifestação. Todos são livres para emitir suas opiniões, mas devem por elas responder, civil, criminal e até financeiramente através do pagamento de indenizações às vítimas comprovadas.
Toda restrição têm pelo menos dois lados. Quando a escola – e a lei no caso de São Paulo – proíbe a presença do telefone celular na sala de aula, argumenta-se que a medida, ao mesmo tempo em que impede o uso indevido do aparelho e o prejuízo no aprendizado, também impossibilita sua utilização para suporte às atividades pedagógicas. O ideal seria não proibir a entrada dos aparelhos mas fixar o período e o tipo de atividade onde ele possa estar presente e servir como ferramenta.
Quanto à proposta australiana de banir o jovem de até 16 anos de idade das redes sociais, talvez não seja o melhor, visto que, para o bem ou para o mal, praticamente todas as crianças levam às mãos o seu telefone celular, tornado instrumento lúdico e substituto de equipamentos, brinquedos e outros utensílios. É preciso considerar que praticamente tudo o que se fazia mediante o comparecimento a bancos, repartições públicas e outros locais de atendimento à população, encontra-se hoje inserido na rede mundial de computadores e disponibilizado à população através dos computadores e do smartphones conectados. Assim sendo, o impedimento a crianças ou jovens de terem relacionamento ou familiaridade com a tecnologia poderá representar um prejuízo aos seu desenvolvimento intelectual e integração social e profissional.
Existem outras restrições a jovens e crianças. A principal delas é a impossibilidade de obter carteira de motoristas e de conduzir veículos automotores. A outra mais explicita e geral é a compra e consumo público de bebidas alcoólicas. Sabemos todos nós que, mesmo com as restrições, muitos menores de 18 anos conduzem veículos e outros consomem bebidas, mesmo com as restrições legais em vigor e sob fiscalização. É preciso, ao restringir o uso dos celulares, computadores e redes sociais, adotar medidas sustentáveis que impeçam ou reduzem as fraudes e, principalmente, não alijem o jovem dos benefícios que o conhecimento da tecnologia pode lhes proporcionar. O ato unilateral de proibir ou banir não deve ser a melhor solução para os problema; o bom é identificá-los e buscar s solução adequada a cada um deles, jamais uma medida geral e irrestrita que, além dos problemas, poderá também inibir os benefícios.
É comum observarmos a facilidade com que as crianças, desde a mais tenra idade, mexem no celular ou no computador. Impedi-las pode representar uma violência contra suas habilidades. É louvável a preocupação em evitar o uso pernicioso e prejudicial à sua faixa etária. Mas também é indispensável que se adote providências para impedir que abandonem a tecnologia e tenham dificuldade para sua reassimilação quando tiverem a idade e a necessidade de empregá-la como ferramenta de suas atividades. Professores, pedagogos e demais especialistas em educação e tecnologia têm o dever de, ao lado de impedir os malefícios, não permitir que sejam eliminados os benefícios do sistema. Se isso ocorrer, de nada terão valido os esforços que levaram à sua criação.
(*) É dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)
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