O R ombóide de Michaelis

No sábado da semana passada, estávamos almoçando lá no Tchê quando passou uma jovem de seus 18 anos pelo corredor, bem pertinho de nós. Ela estava usando uma roupa da moda atual, cuja calça fica 12 centímetros abaixo da cintura, mostrando o umbigo e arredores… Cutuquei a Cilene na mesma hora para mostrar a parte de trás da moça, onde se podia ver, até de longe, duas covinhas profundas na pele, logo acima das nádegas, uma de cada lado. Eu já havia explicado prá Cilene sobre tal particularidade anatômica, mas fazia anos que não via um ROMBÓIDE DE MICHAELIS tão nítido como o daquela garota.

Quem já bateu os olhos na foto aí embaixo e no desenho de bumbum que fiz está tendo uma idéia do que venha a ser tal rombóide. Estranhamente, embora nosso corpo humano seja todo arredondado, há elementos anatômicos com formatos geométricos: o Triângulo de J. L. Petit, os músculos quadrado da barba, escaleno e trapézio e também a parte final da tripa, que é o reto.

Da mesma forma que Jean Louis Petit foi o professor de anatomia francês que deu nome ao dito triângulo, Guitar Michaelis foi o médico alemão que deixou seu nome na bunda da mulher, há exatamente 175 anos. Os livros de Medicina falam às vezes losango ou quadrilátero de Michaelis, em vez de rombóide de Michaelis. São sinônimos.

Os leitores, prestando atenção, irão verificar mulheres que têm as duas covinhas fundas, como as da foto e do desenho. No Dicionário Médico, abaixo estampado, a palavra "hoyos", em espanhol, é exatamente "cova". Quando as covinhas não aparecem bem, a gente as localiza palpando o contorno dos músculos glúteos. O ponto inferior do losango é onde começa o rego e o ponto superior corresponde à quinta vértebra da coluna lombar.

Quando eu vi o ROMBÓIDE DE MICHAELIS da mocinha que foi almoçar lá no Tchê, eu coloquei a mão na testa e me lembrei de um trabalho científico que eu fiz nos tempos de Faculdade de Medicina. Já escrevi sobre tantos assuntos e nunca aconteceu de escrever sobre o ROMBÓIDE.

No 4º ano de Medicina, mediante concurso, fui trabalhar na Maternidade Clara Basbaum, muito afamada no Rio de Janeiro na parte de ensino especializado. Ela fica na Rua da Passagem, que é a última travessa da Praia de Botafogo, onde convivi com os obstetras locais Dr. Gabriel Reis e o falecido Dr. Youhanna Sabbag.

No passado, o parto normal era uma felicidade. A operação cesariana era rara, para tentar salvar a mãe ou a criança. Não existindo ultra-som, nem radiografias perfeitas, havia uma coleção de métodos de exame que o médico fazia na bacia feminina para avaliar se ela teria ou não um parto normal.

Quando fui trabalhar na Maternidade Basbaum, a cesariana já estava sendo feita com menores riscos, mas o Professor Francisco Carlos Grelle e sua equipe faziam questão que nós aprendêssemos todos os métodos de avaliação da bacia da gestante para saber se teria ou não um parto normal.

O exame do ROMBÓIDE DE MICHAELIS era muito importante. Localizando os 4 pontos, a gente desenhava o losango na gestante em pé. Losango torto significava que a bacia da grávida era torta e o parto seria difícil ou impossível. Medindo os lados e as diagonais do losango, havia uma fórmula para determinar as medidas da bacia e avaliar se a cabecinha do nenê passaria bem por ela na hora do parto.

Quando cheguei ao 5º ano da faculdade, fiz inscrição para trabalhar na Maternidade da Santa Casa do Rio de Janeiro, onde iria receber um salário que seria essencial para minha sobrevivência lá. Esclareço, desde já, que passei em primeiro lugar no concurso e trabalhei lá durante um ano, no plantão de domingo.

Além da prova, eu fiz um trabalho científico intitulado "Medidas e Aspecto do Rombóide de Michaelis na Previsão das Distócias de Trajeto". (distócia quer dizer parto anormal e trajeto, em obstetrícia, significa os ossos da bacia da gestante). O trabalho seria entregue na Santa Casa, mas toda a coleta de dados foi feita por mim lá na Maternidade Clara Basbaum.

Além dos meus plantões, cada tempinho vago eu ia lá para ver e medir os rombóides de Michaelis das parturientes e depois eu voltava lá para olhar no livro de registro e anotar se havia sido parto normal ou cesárea ou fórceps.

Algumas parturientes tinham as covinhas bem nítidas e isto facilitava minha avaliação. Outras não tinham, de modo que eu precisava palpar os músculos glúteos para achar as espinhas ilíacas e depois fazer o desenho e, finamente, tirar as medidas com uma pequena trena.

Prá cada paciente, eu explicava o significado do meu trabalho; elas aceitavam bem e até me faziam perguntas ou me pediam maiores detalhes.

Certa tarde de sábado, eu dei um pulo lá na maternidade e havia somente uma gestante em trabalho de parto na enfermaria. Levei-a até à sala de consultas, desenhei o rombóide dela e fiz as medidas enquanto explicava o que eu estava fazendo.

Ao terminar minhas medidas, ela retornou ao leito e eu comecei a fazer os cálculos, mantendo a porta aberta. De onde eu estava, ouvi-a debochar de mim perante as outras pacientes da enfermaria: "Aquele dotorzinho, acho que tá pensando que vou dar cria pela bunda…"

Já que eu falei de nascimento e nascimento é natal, aproveito o ensejo para desejar Feliz Natal a todos os queridos leitores.

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