Antonio Delfim Netto (*)
Se existe um setor que funcionou com eficiência nos dois mandatos do presidente Fernando Henrique, foi o da divulgação e propaganda. Para o bem ou para o mal. Desde o início, na louvação (merecida) do plano Real, quando se concentrou na vitoriosa batalha contra a inflação, exerceu sua atividade com extraordinária competência. Com igual maestria, promoveu a interdição do debate quando as dificuldades da política cambial já se mostravam evidentes, mas que permaneceram praticamente desconhecidas da maioria dos brasileiros. Com mais facilidade, capturou o sentimento da sociedade a favor do programa de privatizações, no embalo de pesquisas que apontaram a aprovação de quase 70 % da população. É verdade que – sem desmerecer a competência do setor – sua atividade teve o respaldo de um mestre na matéria, o próprio presidente.
Infelizmente, essa notável capacidade de mobilização da opinião pública não foi correspondida por igual eficiência na fase executiva. O exemplo mais dramático é o que aconteceu na privatização do setor energético, onde a operação foi extraordinariamente mal-sucedida. Sem planejamento adequado, as estatais do setor foram vendidas às pressas para cobrir o buraco externo que o governo estava fazendo com o câmbio valorizado. Essa urgência exigiu desde o início a concessão de financiamento interno aos compradores externos, utilizando-se recursos dos trabalhadores brasileiros, amealhados no BNDES, em benefício de trabalhadores estrangeiros. O caso típico é o da Light, hoje patrimônio do sindicato francês.
As falhas do programa se tornaram conhecidas quando a emergência do racionamento mostrou duas situações absurdas: o total e imprudente abandono dos investimentos no segmento estatal remanescente e a ausência de regulação das atividades privatizadas. A privatização mal feita está cobrando um preço alto da sociedade brasileira, a começar pela queda de dois pontos percentuais no crescimento do PIB, algo como 30 bilhões de reais que deixamos de produzir por causa do racionamento. Com 1/3 desses recursos, teríamos ampliado a rede de distribuição, transferindo energia disponível para as regiões carentes.
Para o consumidor, o mais grave é ter de suportar aumentos gigantescos nas tarifas e comparecer ainda com o pagamento de um seguro que até agora o governo não soube calcular direito e que muda a cada semana. Um "prêmio" para manter paradas cerca de 40 usinas termelétricas, à espera que volte a faltar energia no sistema hidrelétrico.
Para o país, resta absorver o imenso prejuízo pela perda de uma das maiores vantagens comparativas que tínhamos devido à dominância da hidroeletricidade em nossa matriz energética, que nos permitia produzir a custos menores do que nossos competidores.
Esse é o saldo da imprevidência do governo e do descaso com que foram conduzidas as privatizações. Não há propaganda, por melhor que seja, capaz de compensá-lo.
(*) E-mail: dep.delfimnetto@camara.gov.br