O Brasil, uma certa barbárie

Léo Rosa de Andrade (*)

O discurso da igualdade de oportunidades constitui-se em consenso nacional. É uma ideia valorizada. Reconhecê-mo-la, entretanto, enquanto ideia “em tese”. Em termos de igualdade, os brasileiros não vamos além das falas.

Aqui caberia o anexim: “A teoria, na prática, é outra coisa”. Sempre alguém poderia contestar que a teoria é outra coisa na prática porque o praticante não se compromete o suficiente com a concepção teórica. É o caso do Brasil.

Se beirássemos realizações e discursos, estaríamos em outras condições. O Brasil é o 10º país mais desigual do mundo, conforme Relatório de Desenvolvimento Humano pelas Nações Unidas (http://bit.do/emAzL).

Uma realidade muito difícil de ser mudada. “Brasileiros que nasceram no topo da pirâmide social têm quase 14 vezes mais chance de permanecer nesse estrato do que as pessoas oriundas da base têm de chegar até lá.

Apenas 21,2% dos filhos de pobres vão para o topo da pirâmide. Já no estrato rico, a imobilidade social – o percentual de filhos que se mantêm no estrato do pai – é alta, de 54,2%”. (Fernanda Perrin, IBGE, FSP, 16dez17).

“Uma das principais funções da escola é contribuir para que as sociedades se tornem mais igualitárias em termos das oportunidades que oferecem aos seus cidadãos. O estudo do IBGE mostra que seguimos falhando gravemente.

A pesquisa aponta que ‘existe uma barreira intergeracional para o acréscimo de escolaridade, dependendo da educação paterna’. Ou seja, nosso sistema educacional não consegue eliminar a desigualdade que vem do berço.

Um dado que ilustra isso claramente: apenas 4,6% da população brasileira de 25 a 65 anos cujos pais não tiveram nenhuma instrução formal conseguiu chegar ao ensino superior” (Érica Fraga, FSP, 16dez17).

“Mais de 70% dos pais dos alunos que estão entre as mil melhores notas do Enem são formados em ensino superior ou pós-graduação; quase 25% deles têm renda familiar acima de R$ 17,6 mil e quase 90% nunca trabalharam.

[São] da elite intelectual e econômica. Muito diferente do total de candidatos. Menos de 14% dos pais dos inscritos têm a mesma formação, só 0,7% vive com a mesma renda e 44% nunca trabalhou” (R.C. e L.F.T., Estadão, 14jan18).

O estudo corrobora ainda outras evidências numéricas, como a de que pretos e pardos são mais punidos pelas nossas falhas educacionais. Ademais de desiguais em oportunidades, somos, portanto, seletivamente desiguais.

O 3º Seminário Internacional de Educação Integral “reuniu pessoas de diversos segmentos para discutir formas de […] garantia do direito ao acesso de todos a uma educação de qualidade em um país de contrastes.

“Natacha Costa, do Cidade Escola Aprendiz, defendeu que ‘se a escola pública pode ser a máquina de fazer democracia, precisamos reconhecer quem somos, o que queremos e para onde queremos ir'” (Estadão, 17dez17).

Para conformação pública, discursamo-nos, ideologicamente, como uma democracia educacional, o que nos apascenta a consciência, todavia, os fatos não avalizam a declaração de igualdade de condições desse sistema.

Senão, vejam-se os dados: 92% dos alunos com as melhores notas no Enem são egressos de escola privada, o que denuncia a assombrosa discrepância entre a proposição discursada e a protagonização corrompida.

As consequências disso tudo, todos sabemos todos os dias pelas tristes informações que os noticiosos nos trazem. O nome da falta de educação é ignorância. A ignorância diuturnamente nos complica o fruir a vida no Brasil.

Talvez se encontre alguma expressão de pessimismo no texto. Mas, infelizmente, não. Trata-se de dados colhidos. Os dados não são mesmo bons. “Brasil despenca 19 posições em ranking de desigualdade social da ONU.

Esse é o diagnóstico revelado pelo Pnud/ONU, com dados de 2015. O país ocupa o 79º lugar entre 188 nações do ranking IDH, que leva em conta indicadores de educação, renda e saúde” (http://bit.do/emANr).

Ficamos assim: A “OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mantém um ranking da educação em 36 países, no qual o Brasil, atualmente, amarga a penúltima posição” (http://bit.do/emAN4).

Daí, por ilação, pode-se concluir sobre os nexos entre essas tristes coisas. No tanto que uma coisa leva à outra, adviria da nossa desigualdade a nossa deseducação, e da nossa deseducação, a nossa desigualdade. Círculo vicioso.

É desigual a concorrência por vida digna. Engendramos e preservamos, com discurso sem prática, certa barbárie. No mundo, em números absolutos, o “Brasil é o primeiro colocado em ranking de violência” (http://bit.do/emAQK).

(*) É Doutor em Direito pela UFSC, Psicanalista e Jornalista.

Foto Ilustrativa Imagem de natanaelginting no Freepik

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