O aniversário que virou piada

João Baptista Galhardo (*)

Genézio era funcionário de um Instituto de Aposentadoria e Pensões. Dos muitos que existiam nos anos cinqüenta. Casado com Lalica há mais de vinte anos. Pai do Fernando de 17 anos e de Melissa de 15 anos de idade. Homem sério, virtuoso, dedicado à família e ao trabalho. Sem vício algum. Na repartição comandava três funcionárias. Ernestina ou Tininha, solteirona de 36 anos de idade, era a mais antiga e sua imediata. O Arcanjo, conhecido como Charuto, embora não fumasse, era seu maior confidente. Também colega, mas de outra seção. Genézio a ele se queixava da monotonia de seu casamento. Sofria antecipadamente a síndrome do pânico dos cinqüenta anos que se aproximavam: todos dizem que o infarto, o colesterol, a triglicéride, o diabete e o aneurisma, gostam muito do cinqüentão. Charuto não estava nem aí com a idade. Ele queria viver com intensidade o presente. Embora casado, era um cafajeste assumido. Dizia para o Genézio que a mulher não gosta de marido certinho, aquele que fica em casa de chinelão, perguntando o que tem para comer. E não guardava segredo: – vestiu saia, não é padre nem escocês, eu canto mesmo. Já apanhei muito, mas transei bastante. O saldo é sempre positivo. O amigo pilantra tratava a mulher com muito carinho, principalmente em público. Chamavam-se de mor, patrão, patroa, benhê, princesa, príncipe, pai e mãe. Todo dia, à noitinha, passeavam de mãos dadas, no quarteirão de sua casa. Era um artista. Charuto saía para as noitadas logo depois da mulher pegar no sono. Um dia, chegando de madrugada, quando sentou na cama para tirar as calças, a mulher acordou: – “mor” você está chegando agora? – Não minha princesa, estou levantando para fazer café pra você. – Depois eu durmo mais um pouco. E ela falava para todo mundo sobre a bondade e o carinho do marido. O Charuto enchia a cabeça do Genézio com maus conselhos: – até cunhada você não pode rejeitar. Se ela lhe der confiança, só para sacanear a irmã por inveja, encare e faça o gosto dela. Você terá uma aliada que o defenderá de qualquer acusação. Até perante a família. Com a rejeição, arrumará a maior inimiga. Um dia vai lhe chamar de veado ou pilantra. O Charuto dizia não temer nem flagrante adultério: – se eu estiver pelo menos de meias, arrumo desculpa convincente. Era tão cafajeste que levou uma tia esclerosada, bem mais velha e sem memória, para um motel. Na entrada ela pensou que era uma capela. Só percebeu que não, quando o viu pelado. Assustou-se com a trombeta do Arcanjo, que a levou ao delírio. No dia seguinte, foi conferir. Levou para ela um bolo de padaria: – Charuto, há quanto tempo. Até que enfim veio visitar sua tia. Não lembrava de nada. Até que chegou 19 de abril, dia do Índio, aniversário do Genézio. Levantou e foi tomar café. Na mesa já se encontravam a mulher, os filhos e a sogra que morava com ele. Ninguém o cumprimentou. Frustrado seguiu para o trabalho, onde foi recebido com um abraço da Tininha, a colega de 15 anos de serviço: – Genézio…parabéns. Cinqüenta anos? Não parece. Você está ótimo. Levantou o astral do colega. À tarde, Tininha pediu carona ao Genézio e no caminho: – podíamos dar uma parada num barzinho para tomar alguma coisa. O que fizeram. Chegando em sua residência, onde morava sozinha, convidou Genézio para entrar: – trabalhamos juntos há tanto tempo e você não conhece minha casa. Genézio começou a reparar o corpo da Tininha e a pensar nos conselhos do amigo safado: – perdi todos estes anos. Ela deve estar interessada em mim há muito tempo. O Charuto não teria perdoado. Que idiota que eu sou. Casa trabalho. Trabalho-casa. Ele tem razão. O que se leva da vida é a vida que se leva. Na sala conjugada – estar e jantar-, Tininha disse: – Genézio fique à vontade. Não se acanhe. Se precisar de banheiro é nessa porta aí. E se retirou. Genézio ficou pensando e dialogando com ele mesmo: como ela vai voltar? De camisola? Pouca roupa? Ou mais ousada, sem nada? Não teve dúvida. Foi ao banheiro, tirou o paletó, a gravata, a calça, a cueca e os sapatos. Baixou a cabeça e pediu ao “velho companheiro” que não o desapontasse. Acontece que estava tudo combinado. A sua família pedira à Tininha a casa emprestada para uma surpresa. De repente entram na sala a Lalica, a sogra, a filha, o filho com a namorada e a Tininha, com balões, bolo com velinha acesa, pratos com salgados, cantando um parabéns a você que foi lentamente interrompido por todos. É que Genézio já estava no meio da sala só de camisa e meias. De um lado, todos paralisados e de outro Genézio, com as pernas abertas, joelhos encolhidos, braços descolados do corpo, mãos espalmadas para frente, como goleiro se preparando para defender um pênalti. O “bráulio” despediu-se do corpo. Sumiu. Pálido e de olhos arregalados improvisou: – Tininha……. não encontrei papel higiênico. Não foi uma explicação cinco estrelas, mas somada aos seus bons antecedentes, foi salvo pelo gongo. Como aprendiz de cafajeste até que foi bem. Por certo o Charuto, com mais experiência, teria melhor desculpa.

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