Raul de Mello Franco Júnior (*)
A explosão de tecnologia que caracterizou o século XX e revolucionou os meios de comunicação teve também grande reflexo no campo do entretenimento.
Desde o surgimento dos vídeo-games e dos fliperamas, o jogo, a diversão eletrônica, o passa-tempo, associados a popularização dos computadores, ganharam uma dimensão inimaginável, possibilitando a criação de espaços e realidades que exercem sobre a criança, o jovem e mesmo os adultos um verdadeiro fascínio.
Neste campo, eclodiu a partir de 1996, na Coréia, um novo conceito de diversão, que se convencionou denominar “Lan House”. O termo, extraído do inglês, significa “Casa de Rede Local” – “Local Area Network”. A novidade desembarcou no Brasil em 1.998 e, dotada do potencial de excelente negócio, multiplicou-se nos grandes centros.
Fisicamente, as “Lans” são lojas dotadas de grande número de computadores de última geração, conectados em rede, instalados em confortáveis acomodações. Nestes estabelecimentos, diversas pessoas (de trinta a quarenta, em média) participam de um mesmo jogo. Pagam pelo tempo de uso do equipamento e, em geral, permanecem no ambiente virtual por horas, interagindo com os opositores ou com personagens fictícios. Os jogos simulam situações reais ou competitivas e, não raro, supõem situações de combate, de suspense, de ação que não dispensam o uso de armas. Os jogadores agem isoladamente ou em times (que denominam “clãs”) e, nos jogos mais populares, a vitória supõe o extermínio dos “inimigos” ou “vilões”, vivenciados por outros jogadores ou equipes.
Não é nossa intenção questionar se a utilização deste tipo de entretenimento pode promover o incremento da violência. Tal matéria merece análise acurada de psicólogos e pedagogos. Mas é certo que a longa permanência em tais ambientes, carreando o milenar malefício do jogo pago, traz preocupações aos pais e educadores.
Não se quer aqui, de antemão, condenar objetivamente a atividade comercial, nem tampouco defender posicionamento maniqueísta que a tome como um mal ou simplesmente como um bem. Ouvi de alguns pais que “preferem a permanência dos filhos em uma Lan House a vê-los vagando pelas ruas, envolvendo-se em coisas mais graves”. Abordagens como esta, entretanto, são por demais simplistas. As Lans, como casas de jogos, não podem ser tomadas apenas como pontos de entretenimento e diversão. Reúnem condições propícias para se convolar em lugares perfeitos para a expansão de atividades nocivas, como o uso ou o tráfico de entorpecentes, a venda de armas, a negociação de produtos furtados ou roubados etc. É claro que estas atividades podem ser coibidas e mesmo barradas por comerciantes sérios. Mas a força da interatividade, própria do jogo, é capaz de conduzir os mais fracos e despreparados a esquecer de seus deveres, bens, compromissos de escola ou de trabalho, das economias próprias ou de terceiros, com conseqüências evidentemente danosas aos interesses da família e da sociedade.
O jogo exerce sobre as personalidades mais frágeis uma força semelhante ao vício, onde a inconseqüência e a irresponsabilidade são capazes de vicejar.
E foi pensando na parcela mais vulnerável deste público-alvo das Lans, as crianças e os adolescentes, que várias autoridades se reuniram em nossa cidade, no decorrer do mês de outubro, a fim de discutir os problemas que já começam a aparecer, frutos da proliferação destes estabelecimentos.
Deste debate, do qual participaram o Juiz e o Promotor de Justiça da Infância e da Juventude, representantes do Prefeito Municipal, da Guarda Municipal e da Polícia Militar, resultou a fixação de estratégias visando a fiscalização dos estabelecimentos (desde as exigências administrativas e fiscais para a instalação, até aquelas concernentes ao desenvolvimento da atividade). Para isto, além da utilização da legislação em vigor (em especial, o Estatuto da Criança e do Adolescente), o Dr. Silvio Moura Sales, Juiz da Infância e da Juventude, elaborou a Portaria 01/03, que regula a entrada e permanência de crianças e adolescente nas Lan Houses. Este poder regulador é conferido ao Juiz pelo art. 149 do ECA (lei 8.069/90).
A partir da interpretação dos principais pontos da portaria, elaboramos uma série de perguntas e respostas que visa orientar usuários, pais, educadores, agentes públicos, comerciantes e outras pessoas direta ou indiretamente envolvidas com a atividade :
1.- Qual a distinção entre crianças e adolescentes, para interpretar as restrições de acesso e utilização da Lan House?
A distinção é dada pela lei (ECA). Entende-se por criança, para efeito da portaria, a pessoa até doze anos de idade incompletos; adolescente é a pessoa entre doze e dezoito anos incompletos.
2.- Uma criança pode entrar, permanecer e utilizar os equipamentos da Lan House?
Crianças só podem ter acesso a este tipo de estabelecimento, acompanhadas dos pais ou responsável. Ali somente poderão permanecer enquanto os pais estiverem no mesmo ambiente.
3.- É livre o acesso de adolescentes à Lan House?
Não. Tal qual ocorre com as crianças, podem entrar, permanecer e usufruir da Lan House na companhia dos pais ou responsáveis. Mas mesmo sem eles, podem aproveitar do entretenimento, desde que sejam portadores de um documento de autorização, devidamente assinado (a portaria não admite autorização em favor de crianças, mas somente em favor de adolescentes).
4.- Quem deve produzir este documento?
Os próprios pais ou responsáveis podem redigir um texto, em papel comum, autorizando o(a) filho(a) a ingressar no estabelecimento. Este documento deverá especificar os dias e horários em que o adolescente poderá utilizar dos serviços da Lan House. O papel terá validade de um ano e deve contar com firma reconhecida (isto significa que a assinatura de quem está autorizando deve ser verificada em cartório. O cartorário, conferindo a assinatura a partir de um padrão arquivado, vai certificar se ela é autêntica). O prazo de validade da autorização é contado do carimbo do cartório. Sem o reconhecimento de firma o documento não tem valor algum.
5.- O documento precisa ser assinado pelo pai e pela mãe?
Não. Basta a assinatura de um deles. Em caso de pais separados, somente pode autorizar aquele que está na guarda do filho. Se for preciso, em caso de fiscalização as autoridades irão conferir se a pessoa que autorizou é mesmo legalmente responsável pelo adolescente.
6.- Para o adolescente basta apresentar a autorização?
Não. Para que a autorização tenha valor, o adolescente deve também portar um documento oficial de identidade, dotado de fotografia. Durante todo o tempo em que permanecer na Lan House, deve guardar consigo os documentos e exibi-los à autoridade, em caso de fiscalização.
7.- Existe limite de horário para a entrada e permanência de crianças e adolescentes nos estabelecimentos?
Em qualquer caso, acompanhado ou autorizado, nenhuma criança ou adolescente pode entrar ou permanecer na Lan House depois das 22:00h.
8.- Existe alguma limitação para o acesso de escolares uniformizados?
Sim. O uso do uniforme é indicativo de que o sujeito deveria estar no ambiente escolar ou, tendo saído dele, ainda não retornou para a sua casa. Assim, para proporcionar maior controle do acesso e não desprestigiar a imagem da instituição escolar, a portaria proíbe, em qualquer circunstância, a entrada e permanência de escolares uniformizados.
9.- A quem cabe conferir os documentos dos usuários dos serviços da Lan House?
Cabe à própria casa esta obrigação. Uma pessoa deve ser incumbida de permanecer na porta de entrada, verificando os documentos pessoais de quem pretende ingressar no estabelecimento. Os comerciantes que não cumprirem a portaria podem ser penalizados.
10.- Uma vez permitido o acesso de criança e adolescente ao interior da Lan House, o estabelecimento está livre de responsabilidades?
É evidente que não. Supõe-se que a atividade desenvolvida no local seja lícita e controlada. Não se admite, por exemplo, a venda de bebidas alcoólicas a menores, o uso de drogas, a exploração de prostituição ou qualquer outra atividade ilícita cuja repressão ou adoção de providências seja ínsita à própria atividade comercial.
11.- Existe alguma limitação para o acesso de maiores de 18 anos aos ambientes da Lan House?
A portaria somente regula o acesso de menores de 18 anos, não se aplicando a maiores. Quanto a estes, valem as mesmas proibições impostas pelas leis, válidas para qualquer local.
12.- Como o comerciante deve agir para que se torne possível o acesso de crianças e adolescentes nas dependências da Lan House?
Deve providenciar, junto ao Juízo da Infância e da Juventude, um alvará judicial (em nossa cidade, este Juízo está instalado na Av. Presidente Vargas, 2741, Quitandinha). O pedido de expedição do alvará deve ser dirigido ao Juiz, acompanhado de cópia autenticada do alvará de funcionamento emitido pela Prefeitura Municipal.
13.- O comerciante que não possuir o alvará do Juizado da Infância e da Juventude está impedido de abrir as portas?
Não estará impedido, desde que possua os demais documentos exigidos pelas repartições administrativas. Todavia, sem o alvará judicial somente será permitido o acesso de maiores de 18 anos ao interior da loja.
14.- Quem já possuía um alvará expedido anteriormente à portaria já está com a situação regularizada?
Não. Os alvarás anteriormente expedidos perderam a validade com a nova portaria, baixada em 22.10.2003. O comerciante deverá providenciar imediatamente um novo alvará.
15.- Onde é possível obter uma cópia da Portaria do Juiz?
A portaria encontra-se afixada no Juízo da Infância e da Juventude. Cada comerciante deverá receber, nos próximos dias, uma cópia da portaria, a qual lhe será entregue por um agente público. A portaria, entretanto, já está em vigor e, portanto, obriga todos os comerciantes, independentemente do recebimento da cópia.
16.- Como será fiscalizado o cumprimento da portaria?
Os estabelecimentos serão visitados com freqüências, por equipes que trabalham junto ao Juizado ou por outros agentes públicos. Será exigida a documentação que comprove a regularidade do estabelecimento (notas fiscais de equipamentos, alvará da Prefeitura etc.) e verificada a presença de crianças e adolescentes.
17.- Quais as conseqüências para a hipótese de estabelecimento clandestino ou com equipamentos sem comprovação de origem?
As medidas administrativas podem incluir desde multas, apreensão de equipamentos e, em alguns casos, o fechamento do estabelecimento até que ocorra a regularização. Estas medidas não são reguladas pela portaria, mas sim pela legislação em vigor.
18.- Quais as conseqüências para a hipótese de descumprimento da portaria?
O descumprimento da portaria (por exemplo: falta de alvará judicial ou presença de criança e/ou adolescente fora das hipóteses permitidas) caracteriza infração administrativa prevista do art. 258 do ECA. A pena é de multa (3 a 20 salários mínimos) e, no caso de reincidência, o fechamento do estabelecimento por até 15 dias.
(*) O autor é Promotor de Justiça da Infância e da Juventude de Araraquara.