Estou escrevendo estas linhas na segunda-feira dia 19 de novembro. Nossas bandeiras, nacional, paulista e araraquarense estão hasteadas em frente da Prefeitura e da Câmara, como manda o figurino patriótico.
Há poucos minutos, recebi o telefonema de uma jovem senhora, que conheço desde a infância dela. Ela me perguntou algo e logo passou o fone ao pai dela, cuja residência fica bem em frente à que foi dos meus pais, no Bairro de São Geraldo. Ele é aposentado do DAAE, onde trabalhou no tempo em que essa autarquia ficava na Avenida Brasil. O que ele me disse foi o seguinte: “Doutor Guaracy, eu tenho certeza que não foi o Senhor quem me telefonou, mas não custa perguntar…”
Eu fui logo dizendo que não lhe havia telefonado e perguntando o que lhe havia ocorrido. Ele me disse que atendeu uma ligação, sendo uma voz masculina dizendo que era EU e informando que havia um dinheiro para ele receber da Companhia de Seguros “tal”, para ele dar o CIC, RG, endereço completo, número da conta bancária onde ele recebe a aposentadoria e o número do cartão. Ele completou dizendo que tratou de se livrar do cara porque conhece minha voz desde quando o operei há tempos e sabia que não era eu quem estava ao telefone.
A memória desse meu ex-cliente, por certo o livrou de um belo golpe de 171 (estelionato). Mas é o caso de perguntar ao espaço sideral: “por que motivo o bandido usou logo o meu nome?”
Acho que tenho nome doce para essas coisas. Não foi essa a primeira vez que acontece de alguém usar meu nome e dar golpes. Já aplicaram golpe de dólares usando meu nome. É uma coisa horrível!
No caso do aposentado, a memória dele o salvou, como disse.
Há alguns meses, escrevi sobre um episódio interessante de memória em que o personagem principal foi um elefante do zoológico do Rio de Janeiro, em cuja cara eu joguei uma laranja chupada e o bicho se lembrou de mim anos depois. Mostrei inclusive a foto que tirei do elefante, que tinha mancha branca no focinho. Na foto estavam meus dois sobrinhos, Alexandre e Ricardo, década de cinqüenta.
No dia oito deste mês, saiu na Folha de São Paulo uma reportagem sobre a excelente memória das ovelhas. Fiz o recorte e o estou apresentando ao lado do desenho ilustrativo da crônica, que me foi feito pelo prestimoso artista Renan Bergo Silva.
Esse lance da memória de uma ovelha me transportou ao passado e me fez recordar de algo que me aconteceu no matagal que se situava nas proximidades da casa do Seu Antônio sanfoneiro, em cujo quintal escrevi outro dia contando que finquei uma porção de cruzes.
Pois bem, eu estava com 11 anos e havia acabado de entrar no ginásio. Entrei em primeiro lugar no chamado exame de admissão, que existia antigamente, mas eu somente era bonzinho na escola. Ao sair da aula, eu assumia todas as molecagens possíveis. É duro confessar, mas é verdade.
Certa tarde, eu estava no quintal do Seu Antonio quando vi sair, do mato próximo, uma ovelha bem fofinha que havia fugido da pequena chácara vizinha. Não dei nem tempo prá ela “pensar”; pulei nas costas dela, agarrei na lã do pescoço e ela saiu correndo em disparada, no meio do mato. Correu até cansar-se e minhas duas pernas ficaram arranhadas e sangrando por causa dos espinheiros.
A molecada viu o lance e bateu palmas. Só não viram os arranhões das minhas pernas, porque fui direto prá casa. Prá minha mãe não me fazer perguntas e me bater, passei terra nas pernas, entrei em casa e fui direto pro banheiro. Vesti a calça comprida do pijama e fiquei estudando a Gramática Expositiva do Prof. Antonio Trajano até à hora de dormir.
Uns dois meses depois, cheguei do ginásio e desci ao quintal do vizinho, onde alguns moleques estavam jogando birosca, e me encostei na parede da casa para assistir os lances.
Subitamente, quem aparece? Nada menos que a ovelha que me serviu de montaria semanas antes. Pois acreditem os leitores que ela veio direta pro meu lado e, sem nenhuma cerimônia, começou a lamber minha mão esquerda como se fôssemos velhos amigos. A molecada não deixou por menos. Pararam de jogar e, me apontando todos os dedos deles em riste, começaram a dizer que ela era minha namorada. A ovelha se assustou e saiu correndo.
Inventei prá eles que eu havia comido marmelada e que foi por isto que ela havia lambido os meus dedos. Eles não acreditaram e continuaram a debochar de mim, insistindo que a ovelha era namorada minha.
Lembrando desse episódio do passado, não posso achar ruim pelo fato do bandido ter achado meu nome doce, pois uma ovelha, no passado, já achou que meu dedo era doce.
Em tempo: juro perante todos que não namorei a ovelha, apenas montei no cangote dela…