Nhô Pedro

A casa nem tinha forro, era toda em madeira: os quartos, sala, cozinha…lá morava um casal, sem filho, que tomava conta do pesqueiro do meu pai. Do lado esquerdo, à saída da cozinha, um quintal com bananeiras e frutas da época. Havia, também, um grande pé de Ipê que, quando floria, fica uma beleza. Era lá que o Zé do Caciano enxugava as suas redes.

Do lado direito da cozinha, um enorme curral pois era normal ter vaca. Era feito de arueira, para o resto da vida. Tinha um quarto só para mim, não havia rádio e nem televisão. Naquele tempo era chegada a hora de dormir e o sono chegava mesmo. Lembro de uma grande aventura. Cheguei lá descalço, com roupa suja, todo empoeirado. Os sapatos novos, de crocodilo, cortei com pedras dos dormentes e mandei-os para minha mãe pra dizer que morri na linha da Paulista. O Dr. Valter havia me dito que meu pai esteve na escola e saiu danado da vida já que eu tinha sido reprovado em latim e teria que fazer a segunda-época. Ele prometeu para o diretor que iria me dar o maior corretivo quando chegasse em casa para almoçar. Fui previnido…sabia que ia apanhar.

Quando cheguei vi que a família toda ficou calada e mal me olhava. O pai acabou o almoço e me chamou para conversar. Eu fui e minha mãe foi também. Atrás foi a família inteira para me defender. Como se isso fosse possível…Ele passou a mão no chicote e veio me procurar. Dei um, dois, três dribles e no quarto foi a minha mãe que recebeu o castigo.

Corri para o quintal, pulei umas cercas e ganhei a linha de trem. Cortei os sapatos e dei para uns moleques que estavam caçando, a fim de que os levassem para minha mãe. Caminhei pela estrada do Mogi, em tempo de enchente e muita chuva. Cheguei, de carona, no pesqueiro bem na hora da janta. E lá não faltava comida, eles tinham granja e muito peixe. Perto, as três lagoas famosas, cheias de peixe. Contei uma história para o casal que gostava de mim e, por isso, engoliram na maior. Eles iriam para a cidade dois meses depois…então ninguém saberia de minha astuciosa fuga para não entrar no chicote por causa duma segunda-época.

A minha família havia perdido a esperança de me encontrar quando uns pescadores contaram a meu pai que eu estava no Mogi. Depois de um contrato, feito na canoa, de que ele nunca mais iria me bater, voltei para casa.

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