Nem só de cerveja vive o homem

A matéria Cerveja: outra violência contra a mulher, de autoria de Berenice Bento, chama a atenção para um dos muitos problemas da sociedade contemporânea que se encontram debaixo do tapete: a reprodução da ideologia machista e androcêntrica através da mídia, travestida de prazer e beleza. Excelentemente colocada pela autora, a questão remete para a naturalização das desigualdades de gênero a partir das representações simbólicas do que é feminino e do que é masculino.

Mais que nunca, a mídia desempenha um papel fundamental na relação produção-consumo, força motriz da sociedade capitalista e pós-capitalista. Ao veicular mensagens que têm como finalidade a venda dos produtos, acaba também produzindo cultura e sendo produzida por ela. É o espaço onde são produzidos e reproduzidos significados e a masculinidade e a feminilidade não escapam a isso. Conforme a socióloga Ruth Sabat, no livro Gênero em discursos da mídia (Editora Mulheres, 2005) “cada elemento que compõe um anúncio publicitário é um signo que nos permite ler a imagem de acordo com os códigos culturais que carregamos e/ou construir novos”. O problema é que “uma das principais características do discurso publicitário é o fato de não termos escolha ou controle sobre o que vemos pois as imagens atravessam o cotidiano, estando em qualquer lugar”.

Significa que se na sociedade androcêntica, a mulher existe para servir ao homem e isso deve ser reproduzido e cobrado dela (e dele) a qualquer custo, é lógico que as mensagens publicitárias relacionadas à cerveja irão traduzir relações de gênero assimétricas e hierárquicas. Quanto à violência, trata-se de fenômeno presente no dia-a-dia muito mais freqüente do que se imagina, nas suas diferentes formas. Tal como aparece, a violência psicológica, apesar de mais difundida, é a menos aparente porque pode se dar de forma camuflada, não clara, nem sequer para a vítima, quanto mais para os agressores, posto que é naturalizada como inevitável. Deve ser assim e não se discute. Parece ser o caso em tela.

Ressalte-se que se fosse só com a cerveja, ainda que tudo bem. O problema é que é a reprodução da imagem da mulher como objeto, subordinada aos desejos e expectativas masculinas é uma constante no mundo publicitário. Não há qualquer cuidado, havendo até mesmo incitação à violência sexual, por exemplo. Se no caso da cerveja, a sedução aparece como elemento central e na esfera do prazer (em geral a cena ocorre numa praia, num bar ou em outro espaço de lazer, com mulheres e homens em clima de festa, sendo a paquera ou o namoro, a forma de relação explicitada), no caso de outras propagandas, o preço que as mulheres pagam por seduzir é serem vítimas de assédio ou de violência sexual, o que é muito pior.

É de causar espanto uma propaganda de um energético (aquele que lhe dá asas) em que aparece um executivo cabisbaixo e desanimado sendo acompanhado por uma passarinha que voa o tempo todo acima dele, sem ser notada. Ao beber o energético, o dito cujo adquire asas (recupera a potência sexual) e a primeira coisa que faz é partir atrás da passarinha, saindo ambos do campo visual. A imagem seguinte, acompanhada de piados desesperados, são penas voando.

Mais explícito que isso só um comercial de roupas que seduzem em que ao ver uma mulher usando o produto, Hannibal (o antropófago de Silêncio dos inocentes) livra-se da contenção (a mesma do filme em que ele aparece em uma camisa de força e focinheira) e sai em perseguição da moça. A cena seguinte são gritos e a roupa esfarrapada, acompanhado da mensagem “cuidado, pois você pode soltar as feras que existem por aí”, numa nítida relação entre roupa-sedução-provocação-violência. Diante disso, até que a cerveja pode ser considerada inocente.

É terrível, mas, sabe o que me deixa mais triste e preocupada? São as mulheres que acham que quando nos indignamos diante dessas coisas estamos exagerando e vendo problema onde não tem. Com isso, mais que os homens (porque eles são criados por elas), reforçam a visão estereotipada e reacionária que caracteriza o descaso para com questões como a violência perpetrada pela mídia que, se não forem lidadas a tempo, vão complicar ainda muito mais a nossa vida, de homens e mulheres, na busca por um mundo melhor. Cerveja é bom e pode trazer momentos felizes, porém nem só de cerveja vivem o homem e a mulher, mas, também de respeito e dignidade. (Rosa Godoy, colaboradora do J.A.)

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