Ernesto Lia (*)
A sensação de transmitir impressões registradas e marcantes é tarefa difícil. Principalmente quando se teme não perceber a autenticidade da lembrança. Não obstante, se torna agradável falar de um passado de tanta saudade. É sumamente honroso salientar a grandeza dos fatos, que na sua existência, justifica todos os reconhecimentos que sempre lembrarei.
Para marcar meu afeto, quero fixar com precisão afirmações e atitudes corroborativas de dois seres humanos especialíssimos.
A primeira lembrança de minha vida na Rua Voluntários da Pátria gravara-se em minha caixa de memórias, ainda na infância, quando por um lance de sorte, traçado pelo destino insondável, conheci a Dita que conosco veio trabalhar e ficar para sempre.
Lembro do amor e respeito que tínhamos por ela, encabeçados pelos nossos pais. Sua tez negra, seu rosto de bondade, ela conquistara-me de imediato, uma criança embevecida com a visão de incrível criatura.
Vivemos com a saudosa Dita, uma vida inteira. Marcara-me de modo cristalino e afetivo desenhando-se, com nitidez preciosa, em minhas recordações. Aprendíamos a gostar e respeitar, ao ver nossos pais e irmãos tratarem com carinho os menos favorecidos pela sorte, que caminhavam pela Voluntários da Pátria batendo em nossas portas. A vida continuava e nesta linda rua, quantas dezenas, centenas de pobres eram cuidados pela nossa família. Tempos maravilhosos aqueles!
Embora encarássemos a vida e as atitudes muito seriamente, dispunhamos na verdade de tempo suficiente para selar com simpatia, boa vontade, respeito, as pessoas que circulavam pela Voluntários da Pátria solicitando ajuda. Nossos pais, toda a família era atenção e bonomia para os mais humildes. Solidários e sempre dispostos a pronunciar palavras de estímulo e apoio aos que caminhavam pela Rua 5.
Naquela época, os costumes familiares foram marcantes e assim fomos aprendendo a respeitar as pessoas na benfazeja naturalidade.
Agradeço à vida, pela família que tivemos e que ensinou-nos todos os dias dizendo: “respeite sempre o próximo”.
Agradeço mais uma vez as benesses divinas por colocar no meu caminho pessoas de bem e da qualidade da Dita. Até hoje a retemos na lembrança tão doce, seu semblante sério, bondoso e auto-confiante, do seu bom-senso sempre presente.
O aprendizado em família e também com os relacionamentos de amizade, foi como uma semente de boa qualidade, lançada em solo fértil: aprendendo e respeitando a todos e em especial aos que freqüentavam a querida Voluntários da Pátria e que hoje continua livre para todo e qualquer transeunte. Livre porque a rua é do povo, a rua é pública, evidente, desde que as pessoas saibam entender e praticar o que é respeito ao próximo.
Lembrando um poeta inglês repetiria para honrar tal situação, sementes que giram entre o amor verdadeiro, a compreensão, a segurança, e o equilíbrio em toda sua magnitude.
Precisa e deve servir de exemplo para os que vem entrando para a vida, na certeza de que só assim valerá a pena ter vivido.
“Existem corações leais, existem mentes corajosas;
Existem almas puras e verdadeiras;
Então dê ao mundo o melhor daquilo que você tem
E o melhor voltará para você.
Dê o amor, e o amor fluirá em seu coração,
Força na extrema necessidade;
Tenha Fé e cem corações testemunharão para você
Sua Fé em suas palavras e em seus atos.
Pois a vida é o espelho do rei e do escravo,
Ela é exatamente aquilo que você é e faz,
Então dê ao mundo o melhor daquilo que você tem
E o melhor voltará para você”.
Tenho, pois, na rua Voluntários da Pátria e o aprendizado no coração, me sentindo feliz por poder expressar este íntimo sentimento, mesmo até de uma das mais tristes lembranças, de quando a querida Dita deixou a Voluntários da Pátria para sempre, quando a transportamos para o Campo Santo de São Bento.