Lembranças do passado

Dr. Cleiton R. de Almeida (*)

Lembrando casos, me vem à memória uma pescaria em Pedro Gomes, (Mato Grosso do Sul) por volta dos anos oitenta.

Partimos de Araraquara, à noite, eu e mais tres companheiros, numa perua Variant antiga puxando uma carretinha com os apetrechos de pesca com destino ao pesqueiro no rio Taquari, distante 60 km da cidade de Pedro Gomes, estrada de terra.

Até Pedro Gomes, aproximadamente 1.300 km de Araraquara, a viagem transcorreu normal. Daí até o pesqueiro, os 60 km de terra, com um trecho de areião próximo de 3 km, que nosso amigo dizia ser de no máximo 200 m., foi como uma aventura no deserto do Saara: infindável e de sacrifício. Gastamos várias horas para vencer o areião até chegar no pesqueiro, à noite. Foram quase 24 horas de viagem. A Variant, muito pesada, atolava na areia fofa, até encostar o carter no chão, e aí ficava encravada. Nessa hora, tínhamos que descer, afastar a areia em volta e na frente das rodas. Com as mãos, pois não levamos enxada. Depois levantava o carro com o macaco para livrá-lo do solo e o empurrava para progredir alguns metros. Isso foi repetido várias vezes até terminar o areião e, finalmente, chegar no pesqueiro.

Quando amanheceu, fomos descarregar a bagagem; após o que, ao manobrar a Variant para estacionar, o companheiro constatou que tinha entortado o eixo traseiro. Num certo dia, ele deixou de pescar, e foi levá-la a Pedro Gomes, numa oficina.

O lugar do pesqueiro e o rio Taquari naquele pedaço da natureza eram maravilhosos.

No primeiro dia de pesca, encantados com a beleza do local, saímos de barco para explorar os pontos de pesca, subindo e descendo, apoitando aqui e ali, tentando descobrir um lugar bom para pescar. Mas as tentativas foram em vão; não pegamos nenhum peixe, estava muito ruim. Então, voltamos mais cedo para almoçar.

Levamos pouca carne de mistura porque um dos sócios do pesqueiro garantiu que era fácil matar uma paca ou cateto numa ceva de espera. Mas, por azar nosso, não era época boa para esperar esses bichos.

Quando acabou nossa carne o caseiro nos deu dois frangos. Por sorte, no outro dia, dois companheiros ao saírem de barco para pescar avistaram uma cotia atravessando o rio, foram em sua direção, conseguindo alcançá-la e capturá-la com uma fisga. Garantimos, assim, mais uma bela refeição porque sua carne estava deliciosa.

Apesar de não estar pegando peixe, continuamos tentando até fisgar alguns dourados, pacus e piraputangas, graças à nossa teimosia de pescador.

Acontecimentos inéditos ocorreram nessa pescaria, como aquela caçada da cotia dentro do rio e a façanha do salvamento de um bezerro que caiu no rio e estava se afogando, puxando-o no barco até à margem, onde o soltamos a salvo no pasto.

No final da pescaria voltamos numa camionete velha de um japonês, que morava numa fazenda vizinha e nos deu carona até Pedro Gomes, nos deixando na oficina do gaúcho.

A oficina era um barracão pequeno coberto com telhas de eternit, presas em vigas de madeira apoiadas em esteios também de madeira. Ao avistar o gaúcho perguntamos se a variant já estava pronta, respondendo que faltava um pouco para o eixo ser endireitado. Amarrou um cabo de aço no eixo e a outra extremidade no esteio do barracão e pediu para que um de nós ligasse o carro e tocasse para frente, dando uns trancos, para o eixo chegar no lugar. Um companheiro ao olhar para cima, ressabiado, viu que a viga estava escapando do esteio e disse: vamos sair rápido daqui debaixo antes que o telhado desabe sobre nossa cabeça. No terceiro tranco o telhado de eternit veio abaixo (já tínhamos saído do barracão) despencando telhas na cabeça do gaúcho e no bagageiro da variant, que por ser de ferro reforçado, só amassou um pouco, protegendo o teto do carro. O gaúcho levantou-se, sacudindo a poeira, com alguns galos na cabeça e pequenas escoriações, dizendo que estava tudo bem. Felizmente, não sofreu nada de grave. Restabelecido do susto, desconcertado, pediu desculpas pelo acontecido e ao perguntarmos o preço do serviço acenou que estava tudo certo. Gratificamos com uma gorjeta, agradecendo-lhe pelo serviço.

Prosseguimos a viagem de volta, que transcorreu sem incidentes.

São recordações de uma pescaria, que contamos com alegria apesar de sofrida, porque nos ensinou a enfrentar as agruras de nosso cotidiano e nos deu valorosas experiências da vida. Elas ainda nos trazem à lembrança um amigo e companheiro de pesca, que esteve conosco nessa aventura e muito nos ajudou com suas múltiplas habilidades, e que já faleceu, mas sua imagem continua viva entre nós, como exemplo de um bom pescador e amigo que foi – João Greca.

(*)É médico e colaborador do JA

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